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Mané do Rosário para São José do Poxim

 

(Os santos da Mestra do Mané do Rosário, 2015. Foto: Flávia Correia)

 

Em Poxim, um pequeno povoado no litoral Sul de Alagoas, a devoção de seus fiéis a São José, o padroeiro do lugar, originou um folguedo autêntico e singular e todo mês de março, desde o final do século XVIII, brincantes misteriosos saem pelas ruas rodopiando saias coloridas num gesto de louvor e saudação ao santo que os protege. 

 

O Mané do Rosário é uma manifestação genuína da cultura popular alagoana caracterizado pela simplicidade do rito. Não há um enredo, nem canto e a coreografia que se dança não é preestabelecida. O Mané do Rosário é um bailar solto ao som de uma banda de pífanos pelas ruas do povoado durante a Festa de São José de Poxim. Atualmente o grupo é formado por cerca de quarenta pessoas, entre homens, mulheres e crianças, que se apresentam para a comunidade durante os três últimos dias da novena que antecedem a saída da procissão no dia 19 de março, o dia do santo. Durante três dias seguidos os brincantes saem às tardes a rodopiar espontaneamente entre as ruas do povoado e a igreja de Poxim, pequena joia barroca de Alagoas, onde recebem a benção do padre. Num cortejo que dura de duas a três horas e que se desfaz na boca da noite, sob os últimos raios de sol, transformam o cotidiano pacato do povoado, colocando todo mundo para dançar ao som do pife, do tarol, da zabumba, dos pratos e dos chocalhos.

 

 

(O baile solto do Mané do Rosário. Foto: Pedrianne Dantas)

 

A origem do folguedo é bastante curiosa. A história que se conta, a partir dos resquícios da memória oral dos moradores mais antigos que foram repassando para os mais novos até chegar nos dias de hoje, em março do ano de 1762 durante as comemorações do dia de São José apareceu na porta da igreja um homem cheio de trejeitos de indumentária curiosa que trazia rosários pendurados no pescoço e tinha o rosto pintado, coberto por um pano e usava ainda um chapéu de palha na cabeça, disfarces que impossibilitavam a sua identificação. Um anônimo brincante que aparecia na igreja nos dias de festa e fazia a alegria dos moradores, dançando e animando as celebrações a São José. O disfarce vestiu tão bem que ninguém conseguiu identificá-lo, saber ao certo a identidade. Há ainda variações dessa história que dizem que eram dois homens misteriosos e não apenas um.

 

(Mestra Traíra. Foto: Flávia Correia)

 

A brincadeira surgiu após alguns anos quando o anônimo (ou a dupla) brincante deixou de frequentar a festa de São José. Saudosos do espírito jocoso daqueles anos anteriores, os próprios moradores passaram a brincar de ser o mascarado, imitando seus trejeitos e trajes. E foi assim que os devotos de Poxim inventaram um folguedo à memória de São José e desde essa época, durante o mês de março, o padroeiro recebe de presente esse folguedo, uma mistura de fé, música, dança, rito e brincadeira.  Desde de 1972, o grupo é liderado pela Mestra Maria Benedita, mais conhecida como Dona Traíra, que em 2006 recebeu o título de Patrimônio Vivo do Estado de Alagoas. É a sua voz que entoa a saudação a São José:

 

“Cheguemo na porta da igreja

para louvar o senhor São José

Com o nosso Mané de Rosário

Até para o ano, se Deus quiser”

 

Além de seu surgimento de maneira espontânea, o encanto do Mané do Rosário está na soma de simplicidade e mistério. O que mais impressiona na folgança de Poxim é o impacto estético oriundo do caráter enigmático impresso pela indumentária que oculta a identidade dos brincantes, sobretudo através dos chapéus de palha de Ouricuri ornados por um pedaço de tecido de leve transparência (semelhante a um véu). Os manés também se escondem através de saiões de chita, camisas de mangas compridas, luvas, meias, além disso carregam toalhas dobradas nos braços, trazem chocalhos pendurados nos cintos e rosários no pescoço. Não há distinção entres personagens, mas, atualmente, um novo personagem secundário foi incluído no folguedo: palhaços que pintam os rostos, vestem calças e blusas de manga longa e tem a função de proteger a identidade e abrir caminhos para o bailar solto dos manés.

 

 

Símbolo da religiosidade local, o Mané do Rosário é uma performance popular que foi capaz de perpetuar a memória da Festa de São José do Poxim no atravessar dos séculos, pois os primeiros registros sobre o folguedo foram escritos apenas na segunda metade do século XX. Em Poxim, o brincar é um exercício de memória e o Mané do Rosário é uma antiga brincadeira que permaneceu e que, para alguns estudiosos do tema, é considerado um dos folguedos mais antigos de Alagoas. Cartografar o Mané do Rosário é um gesto de admiração a Alagoas e ao Povo de Poxim, ler sobre o envolvimento de pessoas com esse folguedo é um incentivo para investigar os tantos pedaços de Brasil espalhados território adentro.

 

O Mané do Rosário por quem fez de Poxim uma referência para o existir no mundo:

 

“Na sacristia da igreja de São José do Poxim, Dona Maria Benedita gira o corpo e faz inflar a longa saia vermelha que acaba de vestir. ‘Dona Traíra’, como é conhecida, é a xangozeira, curandeira e parteira do lugar. Mas com o rosto coberto por um véu e usando vestimentas coloridas, ela desempenha o papel de Mestra do Mané do Rosário. Nesse dia, outros brincantes juntam-se a ela e deixam o espaço sagrado da sacristia vulnerável ao profano. Aos poucos multiplicam-se ali giros, risos, conversas e cantigas. Depois, acompanhados pela banda de pife, se unem no adro da igreja para uma saudação a São José. Quando a Mestra sinaliza, os músicos acompanham o Mané do Rosário pelas ruas do Poxim. No trajeto, alguns de seus personagens desempenham certas funções como indicar caminhos, brincar com passantes, coreografar gestos e sinalizar para as pausas que acontecem em frente a certas casas do povoado onde, novamente, saúdam o santo padroeiro. Parece que neste momento o Mané do Rosário espera receber de São José proteção especial e, do morador do povoado, mais que dinheiro, comida ou cachaça, mas a aceitação que alimenta a continuidade desta vivência vibrante e tão singela da cultura local”._ Madalena Zambi, antropóloga, professora da Universidade Federal de Alagoas/Campus Arapiraca, doutoranda em Comunicação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pesquisadora sobre imaginário, patrimônio imaterial, religiosidade e cotidiano).

 

Foto_Neno Canuto_2009 Mestra Maria Benedita_ Poxim Mané do Rosário_02

(Mestra Traíra e seus seguidores. Fotos: Neno Canuto)

(Mestra Traíra e seus seguidores. Fotos: Neno Canuto)

 

O Brasis agradece aos fotógrafos que cederam gentilmente seus registros, à Madalena Zambi e ao Grupo de Pesquisa Estudos da Paisagem (FAU/UFAL).

 

Prato Feito é uma editoria que cartografa e compartilha experiências em culturas brasileiras. Em 2016, o Mutirão do Brasis se dedica a registrar expressões imateriais do país por meio de nossas festividades. Nessa medida, Prato Feito neste ano é um convite para juntos sentirmos e celebrarmos (em dança, comida, rituais, músicas) o que há de belo em nós. Envie histórias sobre suas experiências para brasis@brasis.vc e marque #osBrasis em seus registros fotográficos. 

 

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

_Data de início: 10/03/2016

_Data de encerramento: 19/03/2016

_Observações: A festa de São José do Poxim acontece do dia 10 ao dia 19 de março.

Comentários

  1. Lenida E. S de Almeida disse:

    Excelente texto!
    É muito bom conhecer o nosso rico folclore.
    Parabéns!

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