Brasis. As traduções da cultura cotidiana do Brasil.

BRASIS. CULTURAS E COTIDIANOS DO BRASIL.

Raul Zito e a função ritualística da arte urbana

Em24-05-2016

 

Raul_Zito_Consultor_Artístico

(Raul Zito: Consultor Artístico do festival Os Brasis em São Paulo)

 

“Muita rua. Quintal. Telhados. Skate, futebol, rolemã. Árvores, muros baixos. Casa antiga, térrea, um piano, um quintal com campinho de futebol e mais ao fundo da casa um terreno baldio, matagal, bananeiras e um córrego que leva aos fundos das casas dos outros vizinhos. Uma goiabeira incrível…”.

 

(Em sua memória, uma infância dessas que aprendi a celebrar pelos interiores, Brasis Adentro; um desses cenários que eu me convidaria a entrar pra viver de perto: “ô de casa!” _ eu diria à porta de sua família, sem imaginar que esse endereço seria na São Paulo que me pintaram só cinza. Não tenha tanto receio, “o paulista também sabe sambar”_  ele me explicou em um dia de prosa. E em conversas e referências compartilhadas, começou a surgir uma troca entre diferentes brasileiros que sentem no corpo, o corpo da cultura, que somos sim de Brasis heterogêneos, mas que vivemos no encontro a mesma crença: a fé de que não há nada mais contemporâneo que a tradição. Axé, Zito, vamos juntos contar outras nossas histórias. Por Mayra Fonseca.)

 

Na origem e trajetos do artista que é, junto a Roni Hirsch, conselheiro de nosso Os Brasis em São Paulo, a vivência cotidiana em centros de cultura brasileira como o Morro do Querosene da cidade de São Paulo. E do “Morro dos Brasis”, o Zito foi caminhando para conhecer e reconhecer a potência das culturas brasileiras.  

 

Os Brasis em São Paulo_Zito_Dinho

(Painel híbrido com foto do Mestre Dinho Nascimento, criador da Orquestra de Berimbaus do Morro do Querosene.)

 

“Fui aluno do Mestre Macaco Preto por 6 anos, com ele aprendi muito sobre capoeira e sobre tocar berimbau. Integro há 1 ano e meio a Orquestra de Berimbaus do Morro do Querosene, mas conheço o Mestre Dinho há muitos anos, já que somos do mesmo bairro. Vivo o Samba e tenho muito respeito pelos compositores paulistas, frequento por vezes o Kolombolo. Tenho muito apreço pelos Mestres que vieram da Bahia, com eles aprendi a ter o mais profundo respeito por tudo que a Bahia representa na cultura brasileira – e em São Paulo. Nas festas do Boi no Querosene tive contato com a contribuição maranhense que é puro Axé: acompanho o trabalho do Tião Carvalho há anos. Tive o prazer de estar na Aldeia Guarani no Jaraguá e conheci anciãos. Tenho a honra de ser parceiro do Ilú Obá de Min, de ter contato com muitas integrantes e de poder assistir o Samba de Roda da Nega Duda de vez em quando. No Rio, tive contato com Sérgio Ricardo, com Guilherme Vaz. Em Minas, conheci o Congado e fiquei arretabado. Em Recife e Olinda, os Maracatus, Boizinhos, Afoxés”.

 

Pertinho daquele quintal com goiabeira, o laboratório de fotografia onde ele começou a desobedecer: primeiro brincando com as câmeras do pai, até conseguir ganhar a Nikon FM2 que usa até hoje. Daí a ser desses moços arteiros de rua, que com pesquisa e atitude insistentes não desistem de propor outras narrativas para a cidade, foi só coisa do tempo, foi só começar a misturar pintura mural com fotografia, foi só continuar se atrevendo a fundir linguagens.

 

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“Intervir nas ruas é uma prática de necessidade. As cidades nos oferecem acesso e muitos encontros incríveis e nos restringem e oprimem ao mesmo tempo.”

 

Potente é perceber que em seu trabalho reverbera tanto o resultado de sua prática de liberdade técnica, como também os aprendizados de um cotidiano próximo a Mestres e Mestras de cultura brasileira. Em seus painéis híbridos, é possível sentir o impacto ritualístico de seu jeito de fazer arte urbana.

 

OsBrasisemSP_RaulZito_02

 

“O ritualístico se manifesta e se faz necessário na vida urbana. Onde somos arremessados para uma relação de consumo sistemático com o mundo, as imaterialidades nos dão fôlego e força de espírito pra enfrentar o desmoronamento da vontade. Somos confrontados diariamente com a descrença na humanidade e um trabalho de interiorização é o que pode nos alinhar a algum caminho. Ritualizar a vida é valorizar a vivência ao invés do objeto, é aprender pela sensação, pela transmissão oral, é entender e intuir o sentido da humildade (no sentido da simplicidade de estar)”.

 

Sobre seus sentimentos e pesquisas atuais, ele menciona “um pouco de reação às estruturas plutocratas da desumanidade. Um tanto de encantamento com as manifestações de resistência, com a poesia e com a beleza da humanidade. Um interesse na coexistência dos povos. A busca de conhecimento em áreas diversas – como filosofia e etnografia -, o fazer artístico como autoconhecimento”. 

 

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Como nós, do Brasis, Zito também encontra inspiração em Mestras e Mestres de cultura brasileira, para ele há muito a continuar aprendendo com esses patrimônios vivos, inclusive “podemos aprender a desobediência civil: quer dizer, a não acatar sem questionamento o que está dado”.

 

No Os Brasis em São Paulo, Raul Zito é um dos conselheiros artísticos a acompanhar o trajeto de co-criação das histórias de 3 Mestras e Mestres de cultura brasileira que culmina em projeto multimídia com exposição, intervenção urbana e audiovisual. Acompanhe a programação aberta ao público no dia 18 de junho e visite a exposição resultado do processo em novembro de 2016.

 

Raul Zito é fotógrafo, artista plástico e músico residente em São Paulo. Iniciou sua trajetória nas artes visuais e produz principalmente murais de técnica híbrida de colagem fotográfica e pintura. Trabalha o pensamento sobre os modos de vida contemporânea, por meio da pesquisa etnográfica, vivência urbana e manifestações originárias, cultura/natureza, dispositivos de controle, de poder e resistência. Com trabalhos de rua em São Paulo, Bahia, Rio de Janeiro, Ceará, Sergipe e Minas Gerais, seu foco é o que denomina de eixo África-América Latina.

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