Brasis. As traduções da cultura cotidiana do Brasil.

BRASIS. CULTURAS E COTIDIANOS DO BRASIL.

Retrato Falado 09: Antonio Barreto

 

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Retrato Falado: instantâneo em forma de texto

 

Na sala, os cordéis. No quarto, os chapéus. E é pouco mais do que isso o que tem no apartamento de Antonio Barreto, além de alguma mobília essencial, uma estante empachada de livros, um quadro de Gandhi e uma rede na sala, que é também escritório: nesta casa, cordel só se escreve deitado. Já são 112 títulos até a presente data, em oito anos de atividade, o que equivale a quase um folheto de cordel por mês. Caso continue assim, Antonio em breve precisará de mais paredes, pois as da sala já estão forradas de cordéis do teto ao chão. E no quarto já habitam os chapéus: 28 até a presente data, amontoados em cima do armário, de onde saem com destino à cabeça do dono conforme determine seu estado de espírito. Como quase todo cordelista em Salvador, Antonio Barreto é filho do Sertão: nasceu nas matas de Santa Bárbara, acolá de Feira de Santana (“sou do seio das caatingas”, diz o primeiro verso de sua autobiografia cordelizada), de onde trouxe o ofício e o sotaque.  Mas este é um vate do século 21 e, como tal, tem faculdade e título de pós-graduação. Daí que, além de cordelista, virou professor. E também cordelista-professor: fazem particular sucesso na capital baiana seus cordéis pedagógicos, por meio dos quais ensina à juventude soteropolitana, em versos heptassílabos, sobre temas que vão da Bolsa de Valores ao Novo Acordo Ortográfico. Mas como nem tudo nesta vida é sala de aula, o catálogo de Barreto não exclui todos aqueles gêneros que honram a mais legítima tradição cordelista, como os chamados “cordéis de gracejo” (a Nova Enciclopédia dos Cornos é um clássico) e aqueles que comentam os fatos da atualidade, não sem certo gosto pela polêmica. Nessa categoria, constam títulos como Big Brother Brasil – Um Programa Imbecil e Caetano Veloso: Um Sujeito Alfabetizado, Deselegante e Preconceituoso. Títulos não faltam – o que falta é leitor. “Hoje quem compra cordel é professor e estudante universitário”, lamenta Antonio, lembrando que, em Salvador, resta apenas uma barraca do gênero, a de Paraíba da Viola, em frente ao Mercado Modelo. Ele mesmo, cabra obstinado, diz que já gastou sola na Feira de São Joaquim tentando emplacar sua obra junto ao populacho, velho público dos cordéis. Mas o povo parece que anda mais interessado em DVD, pois Antonio não vendeu um só título ali. “Já em seminário de pedagogia, eu mato a pau”.

 

Antonio Carlos de Oliveira Barreto, cordelista em Salvador, Bahia. Outubro de 2010.

 

(Foto por Valdemir Cunha.)

 

A editoria Dedo de Prosa traz histórias brasileiras inspiradoras, destacando as pessoas e seus ofícios. A seção Retratos Falados é feita por Xavier Bartaburu e traz seu olhar interessado pela beleza e sabedoria de gente simples que ele encontra em suas imersões pelo país. 

 

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