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BRASIS. CULTURAS E COTIDIANOS DO BRASIL.

Moradores: a humanidade do patrimônio

 

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(Projeto Moradores em Belo Horizonte – MG)

 

Eles acreditam que a memória das pessoas é um patrimônio que devemos preservar e valorizar, por isso, desde o dia primeiro deste julho e até amanhã, dia oito, a turma do Projeto Moradores está ouvindo e registrando trajetórias de vida pelas praças de Belo Horizonte, Minas Gerais. Uma equipe liderada por quatro contadores de histórias que já percorreram dez cidades do Brasil agora se emociona com o sotaque e com os casos de seus vizinhos. Como resultado, o projeto feito pela Nitro + Alicate entrega para a capital mineira uma exposição desses moradores que, no dia 21 de julho, ocupam a Praça da Liberdade com suas histórias. E, logo em seguida, no dia 25, acontece o lançamento do catálogo da exposição em um bate-papo sobre memória e patrimônio, também na Praça da Liberdade. Recomendamos muito.

 

(“O que é um patrimônio se isso não fizer parte da história de alguém?”, disse o Gustavo durante uma entrevista na Rádio Inconfidência em Belo Horizonte. Eu, sentada perto dele no estúdio, sabia que aquela frase nos renderia várias conversas. Gustavo e Bruno me convidaram para acompanhar o trabalho de produção do Moradores em Belo Horizonte, um dia antes de literalmente irem para as ruas. Eu bem sei que vésperas de imersões são tão cansativas quanto especiais e, claro, aceitei o convite; almocei com gente que me faz ter saudades de BH e passei a tarde colocando em prática o que Gustavo e Bruno fazem tão bem: ouvindo suas histórias e registrando seus passos.

 

De novo, aconteceu aquela empatia de quem está na estrada mesmo interessado em estimular o autoconhecimento do país. Rapidamente, começamos a trocar referências, aprendizados e casos de viagens. Falamos sobre uma das questões que mais tem me interessado nos últimos meses: afinal, o que é um acervo, o que tem valor, qual é o conhecimento que devemos salvaguardar, quem tem o direito de categoriar as produções e histórias de um povo? Conversamos sobre o valor do material e do imaterial brasileiro. E, como não poderia deixar de ser, nos lançamos um desafio: Projeto Moradores em Montes Claros, Minas Gerais. Que fique aqui registrado, afinal a gente acredita em documento, que Nitro + Alicate + Brasis querem ir juntos caminho ao Norte de Minas, ao inicinho do Sertão. Porque eu, como eles, já entendi que é hora de ouvir e valorizar cada vez mais a história de meus conterrâneos.)

 

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(Projeto Moradores em Tiradentes – MG)

 

Brasis: Como o Projeto Moradores começou?

 

Gustavo Nolasco, Projeto Moradores: Tudo começou de um jeito bem inusitado. Na segunda edição do festival de fotografia de Tiradentes, nós nos lançamos um desafio: vamos para o festival, mas cada um de nós vai ter que levar um projeto. E eu tive a vontade de fazer um trabalho que trouxesse os moradores da cidade para o centro e que colocasse suas histórias em destaque. A gente queria ocupar a cidade de uma forma que qualquer turista que estivesse por lá daria de frente com a imagem dos moradores, não havia como escapar. Então nós usamos as charretes como um espaço expositivo ambulante: não havia como não ver as pessoas.

 

E daí veio o conceito: a humanidade do patrimônio histórico. E toda cidade permite isso: montar uma tenda, chamar as pessoas para falar e favorecer que elas se percebam como patrimônio e, por fim, expor as suas imagens destancando sua presença e história.

 

Brasis: Como aconteceu a escolha das próximas cidades?

 

Bruno Magalhães, Projeto Moradores: Nós partimos das cidades históricas, como um questionamento entre o patrimônio material e o patrimônio imaterial. E logo recebemos convites para levar o Moradores para outras cidades e percebemos que o efeito é o mesmo, já que a valorização da memória é uma necessidade latente em todo o Brasil.

 

Brasis: O Moradores existe há quatro anos, já passou por dez cidades em cinco estados. E agora chega a Belo Horizonte, onde vocês vivem. Como vocês entendem esse momento?

 

Gustavo Nolasco, Projeto Moradores: O projeto está vindo em um bom momento porque ele tem a função de retomar e abraçar a história da cidade. Por que renegar o que está pra trás e criar algo novo? Existe como evoluir sem negar a própria história? Esse resgate é uma oportunidade pra repensar qual a cidade que queremos construir a partir de agora.

 

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(Projeto Moradores em Diamantina – MG)

 

Brasis: Por que documentar histórias triviais?

 

Gustavo Nolasco, Projeto Moradores: O nosso desafio é posicionar as histórias comuns com o mesmo valor de um monumento arquitetônio ou de um Mestre da cultura que também é um patrimônio vivo. Isso estimula tanto o autoconhecimento como a autoestima individual e local.

 

Brasis: Qual é o seu principal aprendizado fazendo o Moradores?

 

Gustavo Nolasco, Projeto Moradores: A cada tenda montada, a cada etapa realizada, o projeto fica mais apaixonante. O aprendizado que fica é que a nossa bandeira tem mesmo que ser levantada: lutar pela valorização da memória e da identidade cultural singular das cidades brasileiras como seus patrimônios. A gente aprende que a sementinha que estamos plantando tem mesmo razão de existir. O projeto nos ensina que é preciso sim lutar para que as pessoas contem as suas histórias.

 

Brasis: As histórias de vida são patrimônios; conte um pouco dessa visão do projeto Moradores.

 

Gustavo Nolasco, Projeto Moradores: A história de cada um é um “exemplar único”, um bem, uma joia rara que o ser humano carrega consigo. A igreja do Rosário em Ouro Preto é um patrimônio, não é? Por que a história da Dona Maria, que casou naquela igreja com o amor da sua vida e lembra de cada detalhe vivido ali, não é um patrimônio para ela ou para a história da sua família ou até mesmo para a história da própria Igreja do Rosário?

 

A gente tenta ser um estimulante, uma espécie de preparativo para algo maior e concreto que se chama “patrimônio vivo”. É tipo assim: “ei, olha aí sua história com esse lugar, não é bonita? Então, tenha orgulho disto”. Quando chega esse orgulho, a pessoa está pronta para perceber que a relação dela com o local é o elo para preserver todos os patrimônios, sejam eles materiais ou imateriais.

 

Por isso, a minha próxima bandeira: o projeto Moradores – A Humanidade do Patrimônio Histórico se tornar uma política pública de Educação Patrimonial em todo o Brasil!

 

Brasis: O que você acha que nós não sabemos e deveríamos saber sobre o Brasil para lidarmos melhor com nossos desafios pessoais e profissionais?

 

Gustavo Nolasco, Projeto Moradores: O grande desafio para mim, no Brasil, é reinventá-lo permentemente sem que a memória seja tratada com tanto desdém.

 

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(Projeto Moradores em Juazeiro – BA – e Petrolina – PE)

 

Brasis: Quais são as pessoas por trás do Moradores?

 

Gustavo Nolasco, Projeto Moradores: Gustavo Nolasco, Marcus Desimoni, Bruno Magalhães e Alexandre Baxter. Cada um com sua formação profissional e pessoal, mas com uma característica comum: o cuidado extremo na produção de conteúdo quando a nossa matéria prima é a história de vida de pessoas. Somos extremamente dedicados a ouvir histórias e extremamente “caxias” em transformá-las em materiais dignos de reconhecimento. Reconhecimento não de mídia, de mercado, mas dessas próprias pessoas. Não sei quantas vezes a gente chorou ouvindo histórias. Não sei quantas vezes a gente se apaixonou por nossos personagens. Até hoje eu choro, arrepio, pego o telefone e ligo para vários. Somos assim! A gente não consegue se desligar desse contato, desse convívio. Esses somos nós quatros. Contadores de histórias que choram e se emocionam com tudo!

 

Em BH, eu tive a ideia de fazer um documentário não sobre a etapa, mas sobre o processo que é fazer o “moradores”. O nosso conceito, a forma com a gente pensa as ações, o momento de produção, tudo. Por isso, formamos uma equipe bem maior. Uma equipe que está documentando tudo que eu, o Bruno, o Marcus e o Xande passamos. Não sabemos o o que isso vai virar, se um filme ou um livro, sei lá. Mas achamos que é muito importante documentar esse processo para que ele sirva de inspiração para outras ações de Educação Patrimonial. Então, além de nós quatro, em BH, estamos contando com um time formado por: Alexandre C. Mota, Victor Schwaner, Hugo Cordeiro, Gustavo Baxter e Maria Navarro (fotógrafos) e Carol Gontijo, Clara Antunes e Ana Luisa Barcelos (produtoras).

 

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(Projeto Moradores em Ouro Preto – MG)

 

Brasis pergunta, Gustavo Nolasco responde:

 

Uma palavra brasileira:

Supimpa!

Um lugar no Brasil:

A porção nordestina do Rio São Francisco.

Um brasileiro:

Seu Limpinho, Olímpio Nolasco (meu avô, contador de histórias e o homem que me fez amar “ouvir histórias”, amar o Brasil e amar “contar histórias”).

Um projeto brasileiro inspirador:

O Museu da Pessoa, apesar de que é importante deixar claro que ele não foi fonte inspiradora para o Moradores.

Um sonho para o Moradores:

Que ele se torne uma ação de política pública de Educação Patrimonial, adotada por algum governo, de forma que possa ser aplicado em todas as cidades brasileiras.

 

(Imagens Projetos Moradores.)

 

Comentários

  1. Marlene Silva Mello disse:

    Participei dia 8/7 do Projeto Moradores na Praça da Liberdade. Queria ver as fotos e se possível meu depoimento.
    Tem como conseguir?
    Grata. MSilvaMello.

    1. Mayra Fonseca disse:

      Olá, Marlene. Nós não somos os responsáveis pelo projeto, somente fizemos uma entrevista com o Projeto Moradores. Indicamos que você entre em contato com eles diretamente no http://www.projetomoradores.com.br para fazer esse pedido. Um grande abraço.

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