Brasis. As traduções da cultura cotidiana do Brasil.

BRASIS. CULTURAS E COTIDIANOS DO BRASIL.

Histórias Rendadas por Yamamoto

 

 

Conhecer o universo de Fernanda Yamamoto é aproximar-se da materialização do cuidado em fios, tecidos, tramas, cores, acabamentos. Roupa parece ser só uma superfície para a artista contar histórias e projetar sonhos. Para que os profissionais ao seu redor rabisquem em/com pano uma possibilidade de mundo diferente e encantado. Se sua linguagem é considerada por muitos como futurista, reparem que Yamamoto agora nos aponta uma outra direção para se aproximar do futuro e para desenhá-lo, em direção ao interior: do país, das casas, das gavetas, das memórias, do Brasil. Sua última coleção parece um convite para acreditarmos na beleza que existe em nossa essência brasileira: da Renda Renascença, novos pontos e desenhos. Da aproximação entre Fernanda e rendeiras: novas possibilidades para mulheres brasileiras.

 

(Fernanda me fez um convite para um café, outro para conhecer o seu ateliê. Ela me mostrou as rendas que as mulheres paraibanas desenhavam e me apresentou algumas estampas e rascunhos de sua coleção. Ela me levou a conhecer o trabalho das mãos de muitas mulheres brasileiras que vivem em uma realidade completamente diferente da nossa. Entre conversas e textos, Fernanda também me levou para o Cariri paraibano, para com ela ter o privilégio de olhar aquele cenário de Brasil tão pouco conhecido. Dela, aceitei até o chamado para desfilar poesia brasileira na São Paulo Fashion Week. Ela ainda não sabe, mas ao dizer sim a seu convite para acompanhar a sua imersão em cultura brasileira, eu também aceitei acreditar que a moda pode, sim, se reaproximar do Brasil. Ainda bem que eu acompanhei os seus passos.)

 

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Brasis: Conte-nos um pouco sobre sua origem e infância.

 

Fernanda Yamamoto: Nasci e cresci em São Paulo, no bairro da Vila Mariana. Lembro-me de ser muito feliz, de viver a cidade com muita intensidade, de brincar muito no prédio e no bairro, de sair na rua, das amizades, das histórias, de tantos colegas e pais, que são as histórias da cidade.

Eu sou da terceira para quarta geração da imigração japonesa no Brasil. Meus avós imigraram para o Brasil ainda crianças, as avós já nasceram aqui. Inicialmente, vieram para o interior de São Paulo (Marília e Bastos) e mais tarde vieram a se fixar na capital. A tradição japonesa se misturou aos costumes brasileiros. Aprendi o valor dos estudos e do trabalho árduo, dos frutos que se colhe a longo prazo. Meus avós construíram tudo do zero, em um país novo, sem estudos, mas fizeram sacrifícios absurdos para que seus filhos e nós netos pudessem estudar e conquistar mais coisas do que tiveram. Acho que é muito a história dos imigrantes em São Paulo.

 

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Brasis: O que te inspira?

 

Fernanda Yamamoto: As pessoas e seus desejos e tudo o que elas criam de beleza: cultura, costumes, filmes, música, arte, histórias.

 

Brasis: Conte um pouco sobre o seu trabalho.

 

Fernanda Yamamoto: Eu me denomino estilista, mas acho que acima de tudo consigo conduzir um grupo de pessoas e transformar sensações em roupas e roupas em sensações.

O trabalho no meu ateliê é, acima de tudo, colaborativo. Acredito ser necessária a desmistificação do estilista como genial, alguém que vive em uma bolha e tem ideias maravilhosas que caem do céu. O processo de criação de um desfile e de uma coleção não passa de habilidades e desejos de diferentes profissionais que se encontram no dia-a-dia para criar uma coleção. É um trabalho de rotina, de desafios novos diários.

Foi com essa vontade de mostrar que o processo de trabalho é real, não é mágico, que abrimos o ateliê para visitas guiadas nas quais cada membro da equipe fala do seu trabalho, reflete sobre suas habilidades, e percebemos que o processo de trabalho é o que é, sem os mitos desse meio da moda que vivemos.

 

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Brasis: Qual é a sua relação com a história com a Renda Renascença?

 

Fernanda Yamamoto: Já conhecia a Renda Renascença há muitos anos. Mas digo que tive o primeiro contato com a renda de verdade pela primeira vez em meados de 2014 quando estive a primeira vez no Cariri paraibano para conhecer: as pessoas por trás da renda, como a renda é feita, quais ambientes e condições, os desejos dessa renda. Junto com Romero Sousa e com o apoio da Cunhã Coletivo Feminista, visitamos algumas casas das rendeiras e fizemos uma imersão no Cariri.

 

Brasis: Como surgiu a ideia da coleção com as rendeiras de Renascença no Cariri paraibano?

 

Fernanda Yamamoto:  Foi um processo natural. Depois dessa primeira visita que foi muito marcante, tive muita vontade de conhecer mais, aprofundar, de aprender e de ir fundo nessa troca entre o designer, eu e o ateliê, e as artesãs.

 

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Brasis: Como você se sentiu quando foi pela primeira vez ao Cariri da Paraíba?

 

Fernanda Yamamoto: Eu me senti desvelando um Brasil que desconhecia. A primeira impressão é uma sensação que ficou ao ver as casinhas coloridas no meio do nada, do chão de terrada batida, do céu azul com a rendeira em frente sua casa tecendo a renda branquinha, branquinha. Essa sensação me marcou demais e permeou toda a coleção.

 

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Brasis: Conte sobre o seu processo de criação em conjunto com as rendeiras.

 

Fernanda Yamamoto: Fiz sete viagens ao Cariri paraibano e cada uma foi única e transformadora. No início, era apenas uma ideia sem muita forma. Nada era certeza, apenas intuição. Então me lembro bem do primeiro trabalho que propomos de fazer pontos bem vazados e meio que desconstruir a renda e várias rendeiras falaram “Fernanda não vai dar certo, vai ficar feio”. Naquele momento, eu realmente também não sabia se ia dar certo! Mas, falei “tudo bem, mas vamos tentar?”. Acho que foi um aprendizado para nós e para elas: criar é isso. Também trouxe reflexões acerca do trabalho manual, de tudo o que está por trás do fazer da renda, em toda a bagagem de vida e do feminino que a renda Renascença suscita.

Aprendemos também sobre o tempo, que tempo é esse que vivemos, como é esse tempo no tecer da renda, como é o tempo do trabalho manual.

Eu me inspirei por tantas pessoas: Dona Liu, Dona Lourdinha, Erecilda, Gilvanete, Dona Socorro, Dona Maria, Genilda, Irenilde, Rosilene, entre tantas. Pelas meninas da Cunhã (Neudenis, Socorro, Lucia e Soraia). Pelo Romero Sousa, Torquato Joel, Fabiana e Dhiones. Lu Maia, pela Zabé, Marilia, Mayra, Isa, e tantas outras mulheres. Daí veio a vontade de fazer o desfile com as “mulheres reais”.

 

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Brasis: O que você leva para a sua vida e trabalho, a partir dessa aproximação com a cultura do Cariri paraibano?

 

Fernanda Yamamoto: Levo muito, muito. Como até mesmo a Mayra falou, há sempre algo de novo para criar a partir de nossa própria historia. Levo a história e a força de cada uma dessas mulheres. Levo um questionamento sobre o tempo, sobre o meu papel como estilista, sobre valores que quero transmitir através do meu trabalho.

 

Brasis: O que você acha que nós, brasileiros, não sabemos e deveríamos saber sobre o Cariri paraibano?

 

Fernanda Yamamoto: O Cariri, produziu a Zabé da Loca, uma tocadora de pífano maravilhosa. A ‘loca’ onde ela morava deveria ser roteiro para estudantes de arquitetura, é arquitetura pura e na essência.

 

Brasis pergunta, Fernanda Yamamoto responde:

Uma palavra brasileira:

Mainha e Painho.

Um lugar no Brasil:

Congo, Paraíba!

Uma rendeira brasileira:

Dona Liu, a rendeira mais experiente com quem trabalhei e que faz a renda com muito amor.

Uma mulher brasileira:

Petra Costa, estou fascinada pelo trabalho dela desde que assisti o Olmo e a Gaivota.

Um desejo para a moda brasileira:

Menos cópias e referências estrangeiras. Olhar mais para o Brasil.

 

(Fotos André Seiti).

 

 

A editoria Dedo de Prosa traz histórias brasileiras inspiradoras, destacando as pessoas e seus ofícios.

 

 

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