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Turismo Comunitário em Serra Grande

 

(A autoria é do colaborador Gustavo Cerqueira).

 

Bem me quer, mar me quer. Do alto do mirante da vila serrana, o infinito azul se desenrola até o perder da vista. É só aos poucos que a imensidão vem ganhar contorno, no descair-se das ondas que alcançam a costa a abraçar lentamente a praia protegida por largos coqueirais. Localizada no distrito de Uruçuca/BA, Serra Grande parece ter se desapercebido de suas agitadas vizinhas Ilhéus e Itacaré e conservado a serenidade de um tempo que não se apressa. Os bancos da praça são ocupados por casais namoradeiros, os pescadores desnovelam suas redes à beira da praia e moradores se deixam estar sentados ao portão de casa, olhos atentos à espera do inesperado.

 

É o caso de Dona Creô, uma das mais antigas moradoras de Serra.  Em roda, ela vai desembrulhando lembranças e diverte todos com causos e contos de sua vida. Entre histórias, um ronco forte de motor se ouve na esquina e Dona Creô pronto se interrompe. É algo de sagrado. A cada ônibus que desfila pela rua, essa devota de Nossa Senhora Aparecida se apressa e começa a acenar e abençoar os viajantes, até que o ônibus se longeia no horizonte, pequenino. “Vão com Deus, vão com Deus!”, grita, antes de voltar a sentar-se entre nós, soltando uma sonora gargalhada.

 

(Dona Creô. Foto de Gustavo Cerqueira.)

(Dona Creô. Foto de Gustavo Cerqueira.)

 

Esse inspirador encontro, assim como outros tantos, foi possível através da Rede de Turismo de Base Comunitária de Serra Grande, iniciativa recém-nascida que tem por missão desenvolver o turismo na região de forma consciente e sustentável. “Nós identificamos que Serra Grande, além da natureza exuberante, possui um potencial turístico incrível, capaz de atrair pessoas interessadas em outros tipos de experiência”, conta Marcelo Castro, articulador da Rede.


E não faltam encantos pela região para cativar diferentes públicos. Localizada em uma das áreas de maior biodiversidade do planeta, Serra Grande fascina por suas praias, rios, mangues e reservas ecológicas. Mais ainda, surpreende o visitante com uma inspirada gastronomia baseada em produtos locais, atividades tradicionais como a pesca de jangada, um intenso cenário cultural que reúne grupos de capoeira, percussão, samba de roda, dança afro, surfe e uma série de iniciativas que desenvolvem vivências voltadas ao desenvolvimento pessoal e espiritual.


Ao longo dos anos, Serra Grande atraiu várias pessoas em busca de melhor qualidade da vida. Muitos acabaram fazendo ninho por lá e deram início a projetos em harmonia com a o espaço e em respeitosa integração ao local. É o caso do Instituto Floresta Viva, que desenvolve projetos de desenvolvimento humano e conservação da natureza; da Casa das Flores, espaço de economia solidária; e da Taboa, agência de desenvolvimento local que fomenta e dá apoio a projetos comunitários. São tantas as iniciativas representantes de nossa diversidade cultural, que algumas delas devem ganhar espaço próprio aqui pelo Brasis.

 

Para aqueles que chegam, os roteiros da Rede são sempre elaborados com um cuidado especial para se conhecer de perto todas essas experiências. Além dos roteiros já citados, um dos mais interessantes pode ser conhecer uma das muitas fazendas de cacau, atividade tradicional na região. Por lá, ao percorrer os milhares de pés de cacau da Fazenda Juerana Milagrosa, tive a oportunidade de conhecer Raimundo, em mais um desses encontros transformadores. Sua relação com o ciclo produtivo do cacau vem de menino, quando ainda acompanhava o pai. Hoje crescido, esse guardião da floresta é um especialista na saborosa fruta que adoça o paladar de apaixonados por chocolates em toda parte.

 

No coração da Costa do Cacau, a região é conhecida pelo amplo uso da cabruca, um sistema de cultivo agroflorestal que mistura sabedoria e profundo respeito à floresta.  “A gente sabe de muita gente que chega e vai derrubando tudo, abrindo espaço na mata. Não tem necessidade disso. A gente sempre cultivou o cacau no meio da floresta, junto com todas as plantas sem precisar derrubar uma árvore”, ensina Raimundo.

 

(Raimundo apresenta orgulhoso o cacau plantado por lá. Foto de Gustavo Cerqueira.)

(Raimundo apresenta orgulhoso o cacau plantado por lá. Foto de Gustavo Cerqueira.)

 

No sistema da cabruca, os pés de cacau são plantados em harmonia com a vegetação nativa, aproveitando a sombra de árvores mais altas para estimular seu crescimento. Depois de plantado e colhido, as amêndoas seguem para o cocho onde ficam fermentando durante 6 a 7 dias. Na sequência, são espalhadas nas barcaças para que possam secar ao sol, de forma lenta e gradual. Após esse processo, elas vão para as cooperativas da região, onde são processadas até virar chocolate. Vale conferir o processo e ainda fechar o dia com um mergulho no rio e na cachoeira que correm dentro da fazenda.

 

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(Amêndoas de cacau torradas. Foto de Gustavo Cerqueira)

 

Turismo de Base Comunitária, Turismo Solidário e Turismo de Experiência, dentre outros. Seja lá qual for o título, o ponto de partida é sempre comum: a preocupação com os impactos ambientais e sociais trazidos com o turismo de massa, como a gradual destruição de ecossistemas e a expulsão das comunidades nativas. Na contramão, no Turismo de Base Comunitária o visitante contribui com a preservação ambiental, vive experiências culturalmente enriquecedoras e satisfaz necessidades econômicas dos moradores da comunidade, ao promover a entrada de recursos de forma sustentável. “Toda a experiência é planejada para tornar possível uma viagem transformadora a quem chega, proporcionando mais conhecimento sobre o local, sua cultura, suas histórias e suas belezas naturais em constante interação com a comunidade local”, revela Olívia Martin, integrante da Rede. Dessa forma, o visitante melhora a vida das pessoas que moram no local e protege suas oportunidades de futuro.

 

Com a elaboração do Plano Verde, projeto de desenvolvimento turístico sustentável em Serra Grande, começou a se fortalecer uma rede de cooperação que envolve empreendedores sociais, artesãos, produtores culturais e moradores interessados em levar à frente ações que combinam geração de renda e melhoria na qualidade de vida. Atualmente, a Rede está organizada  em torno do Conselho Municipal do Turismo  e o projeto tem o apoio do Instituto Arapyaú e do Probio II/Funbio. Contudo, como Marcelo destaca, “para que dê certo, é necessário co-criar espaços e experiências onde todos cresçam, onde a comunidade seja propositiva e empoderada de seus talentos e recursos. Assim, os valores e tradições são não apenas mantidos, mas também fortalecidos e celebrados”.

 

Nesse momento,  o projeto necessita de recursos para construir um centro de recepção, adequar casas de moradores para o acolhimento dos visitantes, sinalizar novas trilhas pela região e desenhar ações que envolvam ainda mais pessoas da comunidade na empreitada. Além disso, a Rede precisa de apoio na divulgação do projeto. E claro, de visitantes.


Desfrutar Serra Grande é, sobretudo, uma dessas experiências que reverenciam a diversidade de nossas culturas em generosos encontros de intenso aprendizado e muitas descobertas.  Experiência em que as histórias de viagem são fiadas ali naquele momento entre visitantes e comunidade, resultando em algo singular.

(Grupo de visitantes do Turismo de Base Comunitária. Foto de Marcelo Castro)

(Grupo de visitantes do Turismo de Base Comunitária. Foto de Marcelo Castro)

 

 

A editoria Rapadura sempre traz uma história brasileira inspiradora, com causas ou projetos em cultura que merecem nosso apoio. 

 

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

_Data de início: 16/12/2015

_Data de encerramento: 16/12/2016

_Observações: Como ajudar? Apoio na divulgação do projeto, contato com agências de turismo, recursos materiais e humanos para construção de sede do projeto, adequação das casas de moradores e sinalização das trilhas.
Contatos: Marcelo Castro (email: marcelo.souza@cocriar.com.br, skype: karaipoty) e Olivia Martin (email: olivia.martin9@gmail.com).

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