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Festa da Massa

 

Em uma das cenas mais marcantes do documentário “O Mistério do Samba”, Monarco fala sobre a importância das mulheres na Velha Guarda da Portela. O compositor revela que um samba não tinha êxito na quadra da escola se as Pastoras não gostassem ou não escolhessem o samba. “Elas é que mandavam. Se elas não cantassem, não acontecia nada.” No filme, Tia Surica, Tica Doca, Tia Eunice e Áurea Maria contam a Marisa Monte que, além de cantoras e escolhedoras, as Pastoras tinham o papel fundamental de abrir e organizar as festas.

 

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(Festa da Massa no Centro Cultural Rio Verde, em 2015. Foto: Crewactive Photography)

 

Inspirada na figura das Pastoras, nasce a Festa da Massa, iniciativa de Ariane Molina. “É um resgate do papel das mulheres no samba de raiz e no samba de terreiro. As Pastoras eram o time, elas faziam acontecer. A gente quis desenvolver um samba com protagonismo feminino, hoje.” Nas apresentações, os músicos se organizam de maneira que os tambores, tocados por mulheres, fiquem enfileirados à frente do grupo. São 15 pessoas ao total, sendo nove mulheres e seis homens. No repertório, música brasileira – em sua maioria, sambas. “É um trabalho de coro e de couro”, brinca, referindo-se ao material dos tambores e ao coro entoado nas vozes femininas.

 

Origens e referências

 

Ariane é paulistana de Itaquera, zona leste da cidade. Não foi criada em nenhuma roda de samba.

“Minha mãe ouvia muito Chico Buarque, um pouco de João Bosco. Foi daí que me encantei com a cuíca.” Aos 18 anos, decidiu que ia aprender a tocar o instrumento. Entrou na bateria da Vai-vai para aprender e, partir daí, começou a pesquisar. “Sou cuiqueira auto-didata. Meus amigos me diziam que ninguém ia parar para me ensinar. Nas rodas, fui percebendo o jogo de poder que existia e o papel das mulheres”, relata, entre um gole e outro de café. É uma tarde chuvosa de domingo, e estamos em seu apartamento no bairro Vila Buarque, centro de São Paulo. Discos e livros se amontoam na sala, cujo centro é preenchido por tambores de diversos tamanhos. Cores e cheiros estão por toda parte: em panelas decoradas, panos estampados, colagens, incensos, plantas. Para qualquer canto que olhemos há um transbordamento de samba.

 

(Ariane Molina. Foto: Mayra Azzi)

(Ariane Molina. Foto: Mayra Azzi)

 

A música soa bem alto janela afora, e Ariane aponta para a parede da sala. “Heitor dos Prazeres é quem mais me inspira. Sou quem sou por causa dele”, diz, colocando o disco Macumba na vitrola. “Seus quadros são muito simbólicos. Negros dançando e olhando para cima. Isso é uma autoafirmação muito forte.” Segundo ela, Heitor dos Prazeres, junto com Ataulfo Alves e Ismael Silva, foi o precursor do desenvolvimento do samba com as Pastoras. As Gatas são outra grande referência. O grupo composto originalmente por Eurídice, Dinorah e Zenilda gravou com quase todos os sambistas do Rio e vários de São Paulo. “Elas eram lindas, glamurosas”, conta, enquanto me mostra fotos antigas.

 

(Victoria (esq) e Ariane (dir) no Centro Cultural Rio Verd)e, em 2015. Foto: Crewactive Photography)

(Victoria (esq) e Ariane (dir) no Centro Cultural Rio Verd)e, em 2015. Foto: Crewactive Photography)

 

“O samba de São Paulo é um samba rural, tem sua origem nos batuques de umbigada. Depois, acontecia nos quintais das casas. Com a institucionalização do samba, quando o gênero virou motivo nacional, o Carnaval deixou de ser dos negros. Ao mesmo tempo, as mulheres passaram a ser muito mais sexualizadas nesse universo”, explica Ariane. “A festa acabou perdendo muito do seu caráter original. A relação de poder era diferente.” Na sua opinião, as mulheres ainda não são educadas para ser instrumentistas; eis um dos motivos que a levou a criar a Festa da Massa.

 

A Festa da Massa

 

A iniciativa tem um olhar para a organização do samba mais antigo, dos tempos anteriores à  institucionalização. “Para fazer a Festa da Massa eu peguei todos esses elementos que me podaram ao longo da vida, especialmente por ser mulher. Convidei também mulheres que não eram instrumentistas ou que não eram do samba. O projeto nasce de uma busca de re-ocupar os nossos lugares, além de compartilhar aprendizados. De quem é esse samba? Qual é a história dele? Como tocá-lo?”

 

A cuiqueira faz questão de mencionar que grandes nomes do samba nacional abriram caminho para projetos como o dela. “Foi graças a mulheres como minha mestre Adriana Aragão e Mônica Millet que conseguimos fazer o que fazemos”. Ariane também faz parte do Ilu obá De Min, bloco que existe na capital paulista há dez anos, fundado por Adriana Aragão e Beth Beli. São cerca de 300 integrantes que saem para tocar, cantar e celebrar a cultura afro nas ruas da cidade. O Terra Brasileira e o Kolombolo Diá Piratininga são outros grupos que têm papel importante na salvaguarda do samba de roda em São Paulo.

 

Os planos da Festa da Massa iniciaram há cerca de dois anos, mas foi só em junho de 2015 que o grupo começou a ensaiar. A primeira apresentação aconteceu em setembro.  O repertório escolhido a dedo ativou memórias afetivas através de muitas músicas de levante. Lágrimas escaparam nos rostos de algumas senhoras. A intenção é essa mesmo: emocionar e inspirar.

 

(Priscila Oliveira e Ana Carolina Toldeo. Foto: Crewactive Photography)

(Priscila Oliveira e Ana Carolina Toldeo. Foto: Crewactive Photography)

 

Desde então, já foram quatro performances em público. Performances, aliás, multisensoriais. “Tem música, tem incenso, tem dança, tem canto, tem plantas. A gente cria toda uma atmosfera”, descreve Victória dos Santos, parceira de Ariane e uma das responsáveis pelos arranjos de percussão do grupo.  Durante uma apresentação muito particular, as duas acariciam os tambores entre uma canção e outra, me contam mais sobre cada toque (ritmos dos Orixás, um toque chamado Satô de Nanã) e sobre como é fazer a Festa. Pouco depois, chega Tâmara para engrossar o coro com uma voz que se esparrama, poderosa. “Nesse momento, fazemos tudo. Seria muito bom se a gente tivesse uma produtora para nos ajudar nos corres. Dessa maneira, eu conseguiria me envolver exclusivamente na parte criativa. Um lugar acessível para ensaiarmos também é fundamental agora. De repente alguma permuta?”, diz Tâmara. Está aí a deixa.

 

A editoria Rapadura sempre traz uma história brasileira inspiradora, com causas ou projetos em cultura que merecem nosso apoio. 

 

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

_Data de início: 16/02/2016

_Data de encerramento: 16/02/2017

_Observações: Atualmente, o grupo precisa de apoio na divulgação e assessoria de imprensa. Um(a) produtor(a) também seria essencial para que o grupo siga se desenvolvendo. Locais de ensaio com preços acessíveis ou que aceitem algum tipo de permuta também são bem-vindos.

Entre em contato: festadamassa1@gmail.com
Página do Facebook: https://www.facebook.com/festadamassaoficial

Ficha Técnica:
Direção Artística: Ariane Molina
Direção Musical: Ariane Molina.
Arranjos Percussão: Victória dos Santos Alfredo Castro e Ariane Molina

Instrumentos e Vocais:
1. Angela Coltri: Saxofone, Flauta Transversal
2. Ariane Molina: Voz, Cuíca, Atabaque e Conga.
3. Ana Carolina Toledo: Ritmo , Coro e Dança.
4. Alfredo Castro: Surdo, Tamborim, Repique de Anel e Coro
5. Débora Marçal: Partitura Corporal, Dança e Ritmo
6. Pedro Romão: Berimbau
7. Gilmar Dias: Guitarra, Coro
8. Lucas Durães: Surdo e Tamborim
9. Sidnei Reis Pandeiro: Voz, ganzá
10. Matheus Nascimento: Violão, coro
11. Priscila Oliveira: Ritmo, Dança
12. Samuel Silva: Violão 7 cordas, Cavaco, Baixo, Coro
13. Tâmara David: Voz, pandeiro e ganzá
14. Vânia Durães : Reco Reco madeira, Coro
15. Victória dos santos: Voz, Coro e Atabaque e Ritmo

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