Brasis. As traduções da cultura cotidiana do Brasil.

BRASIS. CULTURAS E COTIDIANOS DO BRASIL.

Doutor da Borracha: seringueiro, artesão e guardião

 

(Seringueira. Foto: WWF-Brasil/ Jorge Eduardo Dantas.)

(Seringueira. Foto: WWF-Brasil/ Jorge Eduardo Dantas.)

 

Uma das figuras mais icônicas e brasileiras que existem no nosso país é a figura do seringueiro. Sua história de luta contra a fome, a devastação da Amazônia e determinadas políticas injustas nos remetem a Chico Mendes. Esses verdadeiros guardiões da floresta, muitas vezes esquecidos pelo resto do Brasil (será porque estão distantes de centros urbanos?) nos lembram da importância da nossa relação com as árvores. Uma relação antiga e fundamental num país nomeado a partir de um tipo de madeira de sua mata, o pau-brasil. Ainda assim, sabemos tão pouco sobre essa relação! E sobre a região do Acre, muito menos. Quem são essas gentes, as gentes que vivem das árvores e entre as árvores? A conversa com José Rodrigues de Araújo veio refrescar minha memória e atiçar o interesse por esse vínculo homem-árvore e toda sua magnitude. Percebi o quanto do seu trabalho é muito mais do que uma atividade econômica e artística: é também salvaguarda de cultura brasileira.  

 

O mais fascinante é que José comunica isso de um jeito muito simples. Se desde os dez anos é seringueiro, há cerca de oito também é artesão e fabricante de sapatos de látex. José mora no meio da floresta, não sabe ler, nunca foi à escola, não tem computador. Mas é mestre em fazer sandálias de borracha a partir da extração da seiva dos seringais acreanos. Os modelos, vendidos em algumas lojas de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte e outras cidades brasileiras, são inspirados no sapatos utilizados por seringueiros. Graças a um curso ministrado pela UnB (Universidade Federal de Brasília), ele aprendeu uma técnica em que são produzidas ‘folhas de látex’, as chamadas Folha Semi Artefato (FSA). “Aí veio a criatividade de transformar isso em artesanato: bolsas, chaveiros, colares… até que chegamos na sandália”, explica José, ou Doutor da Borracha, como é conhecido. Sua esposa Delcilene trouxe o olhar feminino e as cores ao processo. Um jeito poderoso e criativo de levar um pouco da cultura da floresta a centros urbanos do Brasil. Não que o brasileiro não consuma látex em outros produtos, mas o material acaba se misturando a estéticas e processos mais industriais, perdendo bastante sua conexão com a mata. Não seria exagero dizer que os sapatos do Doutor Borracha fazem com que o seringal se faça presente na cidade.

 

(Sapato de látex produzido pelo "Doutor da Borracha". Foto: AMZ.)

(Sapato de látex produzido pelo “Doutor da Borracha”. Foto: AMZ.)

 

Do Acre para o mundo

 

Nascido em Assis Brasil, na tríplice fronteira de Brasil, Peru e Bolívia, José foi criado numa família de seringueiros. “O povo do Acre sempre diz que a seringueira é como uma mãe. A gente pega o leite dela para conseguir o leite das nossas crianças. Assim fui criado. Por isso digo que sou um defensor da floresta, pois eu não derrubo a floresta, eu dependo dela pra viver.”

 

Depois de conhecer Lene, foi morar na zona rural de Epitaciolândia (a 243 km de Rio Branco). “Quando cheguei aqui, o pessoal nem sabia que tinha seringueira na região. Só derrubavam árvore para criar gado”, relembra. Pouco a pouco, José começou a ensinar as pessoas da comunidade a extrair látex dessa árvore nativa, num esforço de resgatar a atividade que já foi um dos principais motores da economia da região. “É uma cultura do começo do Brasil, mas que está se acabando. No estado do Acre, já houve uma redução de uns 60% da atividade”, conta. “Ocorreu uma desvalorização da borracha na Amazônia. O seringueiro, na verdade, não é valorizado na sua terra”, contextualiza o artesão. De fato, sua atividade começou a ser reconhecida, digamos, de fora para dentro. Depois de participar de feiras e eventos (inclusive em Milão, na Itália), José viu que conseguiria se virar e ainda promover o desenvolvimento de outros trabalhadores locais. Além de contar com alguns fornecedores de sua região, Lene e José hoje têm uma funcionária, a Francisca – ou simplesmente Nita. Ele também ministra oficinas de capacitação de artesanato em borracha em comunidades próximas.

(Lene e José. Foto: AMZ.)

(Lene e José. Foto: AMZ.)

 

O processo de produção é bem artesanal e de baixa escala. Após fabricar as mantas de borracha, que têm uma espessura aproximada de 2 milímetros, José entra na montagem dos sapatos. “É como o trabalho de um alfaiate”, descreve. Quando prontos, os calçados são entregues para alguns lojistas parceiros. É o caso de Adhara Luz, que também desenhou alguns modelos com o casal, depois de passar uma temporada por lá. Compramos, a cada dois meses, mais ou menos 70 pares. Os preços que pagamos para os artesãos é justo, sem barganhas. Todos felizes!”, afirma Adhara, que está à frente da AMZ, uma produtora de viagens com foco principal na Amazônia e que também cuida da Lojinha Coisas do Mundo. Os sapatos podem ser escolhidos através da página de Facebook da AMZ e da loja, e são entregues pelo correio. “Também fazemos eventos quando vamos ao Rio e a São Paulo, para vendê-los.”

 

(Foto: Talita Oliveira/WWF-Brasil.)

(Foto: Talita Oliveira/WWF-Brasil.)

 

A valorização do trabalho de José é importante para sua subsistência e para fomentar o desenvolvimento sustentável na região. Em 2014, ele recebeu o Prêmio Chico Mendes de Florestania, feito que relata sem disfarçar o orgulho na voz. Recentemente, a expectativa do artesão está toda depositada em maio de 2016. É com empolgação que conta como recebeu um telefonema inesperado, lhe informando que seria um dos escolhidos para conduzir a Tocha Olímpica no ano que vem. “Fiquei muito lisonjeado com o convite.” Com ou sem tocha na mão, torcemos para que José siga iluminando caminhos no Acre.

 

A editoria Rapadura sempre traz uma história brasileira inspiradora, com causas ou projetos em cultura que merecem nosso apoio. 

 

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

_Data de início: 30/11/2015

_Data de encerramento: 30/11/2016

_Observações: A principal maneira de colaborar com o trabalho do Doutor da Borracha é comprando aquilo que produz! Outra maneira não menos importante é ajudando a difundi-lo, para que seja valorizado.
Entre em contato: (68) 9936-7215.
Facebook da Lojinha Coisas do Mundo - https://www.facebook.com/lojacoisasdomundo/

Comentários

  1. ROSIMARI VIEIRA CARDOSO disse:

    Estou interessada em comprar uns pares de sandalias.

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