Brasis. As traduções da cultura cotidiana do Brasil.

BRASIS. CULTURAS E COTIDIANOS DO BRASIL.

Agosto em Montes Claros

 

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(Mestre Zanza. Foto por Lucas Viggiani, Montes Claros – MG.)

 

 

19 de agosto de 2015, hoje é quarta-feira de início de Festas de Agosto em Montes Claros, lá no Norte de Minas Gerais. Mestres Zanza, João Farias, Zé Expedito, Tone Cachoeira, Tim Marujo e Socorro (a primeira mulher a conduzir um terno, ou folguedo, por lá) certamente estão desde muito cedo organizando os últimos detalhes dessa que é a festa mais antiga, e dizem que também a mais bonita, de toda a região.

 

(Visitar cada um desses Mestres em suas casas foi um prazer e honra para uma montesclarense que, desde muito pequena, sabia que deveria se dedicar às aulas do Conservatório Estadual de Música para um dia, quem sabe, conseguir tocar com os Catopês. Ouvir, na voz deles, a história da cidade que inspirou Hermes de Paula, Godofredo Guedes e Darcy Ribeiro a conhecer mais o país é um verdadeiro privilégio para alguém que estudou Comunicação e Antropologia e que acredita que é tão bonito quanto útil aprender mais sobre nós mesmos.)

 

“Ô, Montes Claros, ô Montes Claros, terra de grande beleza, foi Arraial das Formigas e se transformou numa linda princesa” _ cantando, Mestre Tone Cachoeira explica a história da cidade que é o centro de toda a região Norte de Minas Gerais e Sul da Bahia.

 

Há 176 anos, sim: desde 1839, os dançantes e brincantes saem de casa para celebrar Nossa Senhora do Rosário, da Irmandade dos Homens Pretos, o Divino Espírito Santo e São Benedito. Catopês, Marujos e Caboclinhos cantam letras que falam sobre o cotidiano e a cultura originária dos povos que formaram a população brasileira, mineira e norte-mineira e enfeitam as ruas de uma cidade e a imaginação de todos que nelas vivem ou que por lá passam para celebrar esse Agosto.

 

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(Mestre João Farias. Foto por Lucas Viggiani em Montes Claros – MG.)

 

 

O Catopê é uma tradução regional para Congada: foi do Norte de Minas e até o Alto Jequitinhonha que os brincantes de Congo se revestiram também de fitas até o chão e capacete repleto de penas; eles olharam para o lado – para os recursos da natureza e para os vizinhos indígenas que encontravam pelos caminhos de resistência e luta – e incorporaram esses materiais e simbolismo para a sua representação de fé, de criatividade e de fantasia. Marujos são os folguedos musicais inspirados nas travessias portuguesas além-mar que cantam seres fantásticos das águas. Caboclinhos são formados por um corpo musical e crianças que celebram as heranças ameríndias na região.

 

“… é uma laço de fita amarela na ponta da vela, no meio do mar” _ canta, e conta, Mestre Tone Cachoeira da Marujada Grupo União do Divino Espírito Santo.

 

 

Como uma tradição resiste por quase dois séculos?

 

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(Mestre Zé Expedito em ensaio de seu terno de Catopês pelo centro de Montes Claros – MG. Foto por Lucas Viggiani.)

 

 

Ninguém é imune ao efeito que esses seres fantásticos provocam em sua história: quem anda por ruas de Catopê aprende, desde cedo, que a vida pode ser encantada.

 

Mas quem vê um Mestre, com suas fitas e vozeirão homenageando e alimentando uma cultura pelas ruas da cidade, não pode imaginar a história de vida e cada minuto de dedicação para que aquele momento aconteça. São pintores, carroceiros, faxineiros, desempregados, aposentados: os maiores exemplos de beleza de uma cidade dedicam-se pelo menos quatro meses do ano para a festa mais rica da região, mas possuem dificuldades diárias.

 

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(Mestre Tone Cachoeira em sua casa, Montes Claros – MG. Foto por Lucas Viggiani.)

 

 

“Porque o povo da cidade merece continuar acreditando”, “porque há quatro gerações a minha família cuida de nossa Cultura”, “porque isso é que o alimenta o nosso coração”. São vários os motivos para que resistam às dificuldades e lutem, brincando, pela permanência dos folguedos. E, assim, em meio a vários outros ensinamentos, os Mestres da Cultura de Montes Claros mostram que sustentar a História Local também deve ser uma prioridade.

 

As preparações e feitura das roupas começa por volta de janeiro do ano de uma apresentação. Um capacete de Catopê pode ter até 500 penas e cada uma chega a custar R$ 4,00 nos armarinhos da cidade. Para a saia de um Caboclinho, são necessários uns 5 feixes de plumas no valor, cada, de R$ 24,00. Os bordados dos chapéus de Marujo chegam de São Paulo: R$ 6,00 para cada âncora. As fitas tão fotografadas? R$ 10,00 o metro.

 

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(Mestre Socorro canta os Caboclinhos. Foto por Lucas Viggini em sua casa em Montes Claros – MG.)

 

 

Em maio começam os ensaios, é compromisso todo sábado. Reunir todos os dançantes em sua casa, fazer os instrumentos com couro que vem do interior, ensinar a tocar no ritmo e a cantar no tom que vai causar a emoção que querem gerar. Pra cada batida de tamborim que ecoa como “conheça mais sobre a Cultura Local”, foram várias horas de deslocamento, trabalho manual, mutirões. Trabalho que se remunera com cada sorriso pelas ruas, com cada novo dançante que se afilia a um terno, com a formação de um novo Mestre, mas também com a compra de um instrumento feito por aquelas mãos norte-mineiras.

 

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(Mestre Tim Marujo, ensaio de seu terno pelas ruas do centro de Montes Claros – MG. Foto por Lucas Viggiani.)

 

 

Eles recebem apoio dos órgãos públicos locais, mas a conta não fecha: os gastos costumam ser bem maiores que os incentivos recebidos. Assumem que a principal dificuldade para resistir e cantar o Norte de Minas é a financeira, mas – Mestres! – eles pedem que a gente invista também coração, mãos, voz e arte em cuidar de histórias triviais que são as verdadeiramente nossas e que, exatamente por isso, nos conduzem a lembrar e manter o que nos faz um povo que en(canta).

 

“São Benedito com a sua casa cheia, cheira a cravo de rosa, cheira a flor de laranjeira” _ trecho cantado por Catopês pelas ruas de Montes Claros – MG.

 

 

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

_Data de início: 19/08/2015

_Data de encerramento: 15/08/2016

_Observações: Os Mestres vendem instrumentos musicais e vestes de Catopê, Marujo ou Caboclinho. Além disso, aceitam incentivos e patrocínio para comprar os materiais que precisam para fazer ou reformar sua indumentária.

Catopês:
_ Mestre Zanza +55 38 32125277
_ Mestre Zé Expedito +55 38 91918401
_ Mestre João Farias +55 38 91532206

Marujos:
_ Mestre Tim Marujo +55 38 91314409
_ Mestre Tone Cachoeira +55 38 98188329

Caboclinhos:
_ Mestre Socorro +55 38 99721926

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