Brasis. As traduções da cultura cotidiana do Brasil.

BRASIS. CULTURAS E COTIDIANOS DO BRASIL.

Tucum Brasil

 

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Um lugar para trocar noções de beleza com justiça para todas as culturas envolvidas: as indígenas e as urbanas, as tradicionais e as contemporâneas. Esse lugar teria que ser uma ponte para aproximar mundos tão diferentes e complementares, para diminuir distâncias e, como consequência, preconceitos. Uma ponte com janela grande na qual todos pudessem dividir pontos de vista sobre tecnologias aprendidas, vocabulários reveladores e cosmogonias inspiradoras. Foi com esse projeto em mente que eles construíram a Tucum Brasil.

 

(Lembro-me de quando conheci a Tucum, por acaso, em uma visita à Goma no Morro da Conceição no Rio de Janeiro: duas salas com ambiente de loja, escritório e estúdio fotográfico. Cestos Mehinako e Ticuna que fizeram meu coração palpitar e aumentaram minha vontade de ir para a próxima imersão que tinha planejado com destino ao Norte do Brasil. Isso foi há quase um ano atrás. Desde então, eu me aproximei ainda mais dos estudos de culturas indígenas: em leituras, imersões e acompanhando o trabalho do museólogo Júlio Abe e sua perspectiva de uma museologia de territórios indígenas. Dias atrás, enquanto conversava com Amanda para essa entrevista, eu me lembrava dessa vontade de beleza tão essencial em nossos povos tradicionais e já retratada de Darcy Ribeiro a Domenico de Masi: objetos de uso comum, utilitários, que trazem consigo uma camada estética que é, antes de tudo, um manifesto ético. Prática do cuidado de quem quer compartilhar o melhor de si com o outro, estrutura de linguagem que conta histórias e enfeita cenários a partir de qualquer suporte, códigos de identificação entre pessoas que se entendem como uma nação, atitude sustentável de quem sabe que somos feitos de resíduos de nós.)

 

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(Amanda Santana, Tucum Brasil.)

 

 

Brasis: Onde você foi criada e o que leva desse lugar?

 

Amanda Santana, Tucum: Eu sou mineira, de Ipatinga, e morei em Minas até seis anos de idade. Depois eu fui para Aracaju, morei sete anos lá: foi a melhor fase da minha vida, tem tudo a ver eu trabalhar com o que faço hoje porque eu realmente ganhei uma bagagem de cultura popular naquela época. A cultura do Nordeste faz parte de mim hoje de uma forma que eu não sei explicar! Tem uma coisa do Sertão ali muito forte; eu tenho muito orgulho de ser nordestina de alguma forma.

 

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Brasis: Como a Tucum surgiu?

 

Amanda Santana, Tucum: Eu não tinha nenhum contato com população indígena até os 28 anos. Meu marido é antropólogo. A partir dele, eu comecei a ter contato com a população indígena e com sua concepção de beleza.

Eu trabalho com cinema, como maquiadora e como cabelereira. A beleza, a estética, é algo que sempre esteve na minha vida desde a infância. E foi a partir da beleza que eu comecei a ter contato com os povos indígenas: meu marido viajava, trazia coisas pra mim e eu só pensava “que bonito!”. Daí a gente começou a construir esse sonho: um lugar que pudesse comercializar essas belezas de forma justa e principalmente aproximando as pessoas aos artesãos indígenas e suas tecnologias. Eu queria que outras pessoas descobrissem isso que eu descobri.

 

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Brasis: Qual é exatamente o trabalho da Tucum?

 

Amanda Santana, Tucum: Temos o comércio – loja física e digital – e a Tucum Serviços, queremos auxiliar a cadeia produtiva no entendimento dos mercados já que cada etnia tem um saber e um desafio. Mas acreditamos que nossa principal função é ser uma ponte entre os povos tradicionais do Brasil, o design sustentável e as populações urbanas. Trazer pra perto essas realidades, fazer as pessoas descobrirem isso que elas não sabem. E nós já conseguimos quebrar tantas barreiras!

 

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Brasis: Qual é o significado da palavra Tucum? Por que essa palavra foi escolhida para nomear o coletivo?

 

Amanda Santana, Tucum: Tucum é um nome que tem uma sonoridade muito boa. Mas, mais do que sonoridade, Tucum é uma palmeira encontrada em todo o Brasil e é muito utilizada por várias etnias. E a analogia que a gente mais gosta de fazer é que Tucum faz belas redes e é isso que gostaríamos de fazer: bonitas e fortes conexões entre diversas culturas.

 

Brasis: Quem faz a Tucum?

 

Amanda Santana, Tucum: Outros amigos que acompanhavam a gente desde cedo entraram para nos ajudar porque entendemos que precisávamos de outros braços porque queremos criar algo que, de fato, possa servir pra outras pessoas, que possa ser um modelo de estudo pelo menos. Hoje somos um coletivo formado por: Amanda Santana (Designer acidental, Diretora Criativa da Tucum), Fernando Niemeyer (Antropólogo e Indigenista, Diretor de Relacionamento com Comunidades Tradicionais), Thiago Vedova (Professor, Geógrafo e Produtor Cultural, Coordenação de Marketing e Comunicação da Tucum), Luiza Maia de castro (Economista, Gerente Administartiva e Coordenação de Desenvolvimento das Cadeias de Valores da Tucum) e Bernardo Ferraciolli (Economista, sócio da Matéria Brasil e Diretor Financeiro e Estratégico da Tucum).

 

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Brasis: Com quais comunidades a Tucum trabalha? E como se dá o contato e relação com elas? E qual é o benefício da relação para essas comunidades?

 

Amanda Santana, Tucum: Nós temos mais de 26 etnias presentes na loja. A demanda chega naturalmente. Eles nos procuram e, em geral, querem estabelecer uma compra e venda normal; a partir daí explicamos que nós queremos estabelecer uma relação duradoura e sustentável. Explicamos a diferença entre atacado e varejo, que é muito diferente pra eles. É esse tipo de diálogo que queremos estabelecer: fazemos um estudo do mercado e mostramos pra eles.

 

Compartilhamos com os indígenas uma metodologia que chamamos de Tecnologia Social: dividimos as informações que temos de mercado, mas eles continuam tendo autonomia para decidir como serão as transações, os preços, os termos.
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Brasis: Quais são os principais aprendizados que vocês já tiveram na relação com povos indígenas no território brasileiro?

 

Amanda Santana, Tucum: Eu aprendo muito sobre trabalhar em comunidade. Às vezes o valor que você imagina pra algo não é um valor financeiro: são trocas, o valor das coisas é algo muito relativo. Isso é um aprendizado de vida pra mim. Eu aprendo muito com a força, com a resistência desses povos. Estou aprendendo idiomas, já consigo me comunicar com as mulheres.

 

Aprendo muito sobre respeitar o diferente. Pra o indígena, cada planta e cada bicho tem o seu espaço e não é mais importante do que ele: todos os seres estão no mesmo patamar. É difícil mudar isso dentro de você, mas é algo que eu tento trazer para a minha vida.

 

Brasis: Por que será que em algumas etnias as mulheres não falam português?

 

Amanda Santana, Tucum: Eu acho que pode ser uma estratégia de sobrevivência. É a mulher quem cuida do dentro: da manutenção dos valores, dos rituais, dos saberes. Talvez por isso elas fazem questão de falar e manter o idioma.
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Brasis: Vocês aprenderam alguma palavra ou expressão especial no contato com eles? Qual foi e qual é o seu significado?

 

Amanda Santana, Tucum: Aprendemos várias, mas há uma muito comum em Kayapó: Mejkumrej, fala-se méikumré significa verdadeiro/verdadeiramente (kumré) bom/belo (méi). Para os Kayapó, não existe “por favor”, “muito obrigada”. Essa palavra é um cumprimento, é um jeito de ver o mundo.

 

Brasis: O que você acha que nós não sabemos e deveríamos saber sobre o Brasil? Por que?

 

Amanda Santana, Tucum: Não sabemos que temos mais de 200 etnias! Não sabemos que o Brasil fala mais de 180 línguas. O indígena tem um modo diferente de ver a vida que é tão rico, tão cheio de nuances, com a sua tecnologia… nós não sabemos nada disso e ainda falta muito pra gente saber.

 

(Imagens de divulgação.)

 

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