Brasis. As traduções da cultura cotidiana do Brasil.

BRASIS. CULTURAS E COTIDIANOS DO BRASIL.

Na Cuia

 

Estudantes de Comunicação Social de Belém que decidiram criar uma revista onde pudessem exercitar um jornalismo cultural distante do já abordado pela mídia tradicional e que fizesse com que eles exercitassem o aprendido em sala de aula. Esses são os doze jovens que criaram, a partir de uma ideia e da vontade da Juliana Araújo, a Na Cuia. Já na sua décima primeira edição, a última publicação, que é mensal, trouxe o Aniversário de Belém como tema central e pode ser lida aqui.

 

(A verdade é que essa é só mais uma parceria. Eu participei, como colaboradora, da primeira edição da Revista na Cuia, da mesma forma que a Juliana já esteve por aqui, cobrindo o I Congresso do Carimbó pra gente. Nessa curvas tortas que percorremos, tenho bastante certeza que, de uma forma ou de outra, eu acabaria por conhecer a Juliana. Minha caloura de curso na Universidade Federal do Pará, lembro, inclusive, de ver o nome dela no listão do vestibular de 2014, ano em que estagiei na UFPA e trabalhei durante a festa dos recém aprovados. Mas foi mesmo antes de sermos colegas de Faculdade que nossos caminhos se cruzaram – Juliana já era grande amiga de dois primos meus e ela me adotou por tabela. Foi também por tabela que conheci Vitória, Matheus, Madylene, Lorena e todas as outras integrantes da revista, que junto com a Juliana se dedicam incansavelmente à Na Cuia. Quando Juliana me falou da ideia de criar uma revista online sobre jornalismo cultural, eu fiquei um pouco sem entender. “Mas por quê?”, eu perguntei. Ela havia acabado de entrar na faculdade e de fazer um Laboratório de Jornalismo Impresso. “Porque o nosso Laboratório foi fraco, não acho que foi o suficiente”. Ela havia acabado de entrar na faculdade. E é com essa fome e essa determinação que enxergo Juliana até hoje, em tudo o que ela faz.)

 

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Brasis: Onde vocês nasceram e o que levam desse lugar e dessas memórias?

 

Juliana Araújo: Nasci e cresci em Belém do Pará, e eu levo Belém na minha boca, tanto nas palavras quanto no meu gosto para comida. Não só o “égua”, mas a fala cantada, o “mana”, o “arreda”. E a comida com pimenta, comida forte, peixe e muita farinha também são parte muito forte da minha memória afetiva, assim como do meu próprio gosto.

 

Vitória Mendes: Nasci em Belém. Passei a infância em João Pessoa (PB), em Itapecerica (MG) e depois voltei pra cá. De João Pessoa tenho poucas memórias, passei apenas um ano na cidade. Lá fui à escola pela primeira vez. Eu detestava ficar na sala de aula. Foram tempos difíceis para a nossa família na cidade. De Itapecerica, levo comigo a alegria de brincar na rua, comer jabuticaba do pé, andar a cavalo na fazenda, dançar e brincar com as minhas primas e assistir shows gratuitos na rua em época de Festival de Inverno. Quando voltei para Belém, aos 9 anos, tive uma adaptação complicada durante os dois primeiros anos. Mas depois foi só amor por essa cidade. Belém é sinônimo de pertencimento.

 

Matheus Botelho: Eu nasci em Belém do Pará. Cresci em Ananindeua, cidade limítrofe de Belém,  no bairro da Águas Brancas, que apesar do nome não tem nenhum rio ou igarapé por perto. O lugar é rodeado de matas e áreas verde, muito arejado. Ao lado de casa havia uma goiabeira onde eu adorava fingir que era o meu quarto e passava o dia pendurado. Eu brinquei muito nas ruas, caí e me ralei muito também. Sempre jogava bola com o meu irmão no quintal de casa e a gente vivia brigando. Eu sempre levo comigo essa peraltice e o espírito de criança brincalhona.

 

Brasis: Por que “Na Cuia”?

 

Juliana Araújo: Na cuia a gente toma tacacá, toma açaí. Com ela, colhe uma porção de banho de cheiro para jogar no corpo. É um artefato tradicional com muitas utilidades, que representa o objeto principal da revista: a cultura paraense em seus diversos formatos e linguagens.

 

Brasis: Quem faz a Na Cuia?

 

Matheus Botelho:: Pessoas que amam cultura. Seja jornalista ou publicitário, cada um acaba fazendo muito além daquilo que pensava que faria ou se propôs a fazer. No sentido de que cada um de nós acaba explorando os seus diversos talentos.

 

Brasis: Como as experiências individuais dos colaboradores são refletidas nas páginas da revista?

 

Juliana Araújo: Todas as edições são pensadas em conjunto. Eu acredito que isso contribui bastante para que as nossas concepções sensíveis se misturem nos encaminhamentos das matérias, porque mesmo que o repórter não tenha vivido algo ou pensado sobre algum tema, ele vai acabar tendo uma noção mais abrangente quando isso é debatido em grupo.

 

Brasis: O que é a “Kuyera!”?

 

 

Vitória Mendes: É um evento cultural que produzimos de forma independente em parceria com artistas da cidade. Nosso objetivo é, além de divulgar a revista, promovermos uma aproximação com o nosso público e dar visibilidade para artistas interessantes, que geralmente estão em começo de carreira. É uma troca muito valiosa pra nós.

 

Brasis: Como é estudar Jornalismo em Belém?

 

Vitória Mendes: Na faculdade convivemos com professores incríveis, apaixonados pelo que fazem. Aprendi muitos valores com eles, mesmo com a precariedade do ensino público federal. Mas estudar jornalismo em Belém é ter medo de precisar se sujeitar aos interesses políticos das grandes corporações midiáticas do Pará pra sobreviver, negociando nossa ética profissional em nome disso. É conhecer a realidade de vários profissionais frustrados e cansados com a falta de valorização dessa profissão. É sentir revolta a cada vez que jornalistas organizam greves e depois são demitidos por retaliação. Ao mesmo tempo, é ter a esperança de que podemos fazer muitas coisas úteis para nossa região com o nosso trabalho. Jornalismo é um caminho cheio de dificuldades, mas conheço pouquíssimos colegas estudantes que não são apaixonados por esse curso e essa profissão. Eu não me imagino fazendo outra coisa no futuro.

 

Brasis: Por que Jornalismo Cultural?

 

Juliana Araújo: Entramos nessa pelo amor à arte. Daí em diante fomos discutindo – tanto em debates da própria revista, quanto nos da faculdade – o que, na verdade, a cultura é. E o nosso jornalismo cultural segue essa linha de questionamentos. O que é tradição? O que é identidade cultural? Falar de arte é só uma parte do jornalismo cultural. Então nada mais justo do que uma iniciativa assim em uma cidade como Belém, que tem o cenário cultural complexo e explosivo.

 

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Brasis: Por que fazer uma revista independente?

 

Juliana Araújo: O que queríamos era treinar nossa escrita, produzir as nossas próprias pautas.  A ideia do independente veio de uma forma bem orgânica, até porque descobrimos que investigar e escrever o que queríamos era muito bom. Acaba que casa muito bem com a nossa linha editorial, que preza por um jornalismo cultural mais crítico e acessível – o que tende para um lado menos comercial.

 

Brasis: O que as pessoas não sabem sobre Belém e deveriam saber?

 

Juliana Araújo: Belém tem uma cena de arte independente e contemporânea muito forte, principalmente nas suas periferias. Belém é cidade praiana sim – e as praias das suas Ilhas são maravilhosas. Temos o cinema ativo mais antigo do país, o Cine Olympia. É tanta coisa, não dá para citar tudo.

 

Vitória Mendes: Que existem pessoas aqui perfeitamente capazes de falar sobre a realidade amazônica do ponto de vista científico. Também fazemos ciência em Belém!

 

Matheus Botelho: Há muito mais que os pontos turísticos tradicionais de Belém. Há movimento, há envolvimento nas ruas e periferias, há mais carimbó que o carimbó da estação das docas. Há afeto e muitas formas diferentes de comer açaí e tapioca.

 

Brasis pergunta, Na Cuia Responde:

 

Uma palavra paraense:

Juliana: Caboquisse

Vitória: Presepada

Matheus: Te abicora!

 

Um lugar em Belém:

Juliana: Um pedaço de terra na beira do rio

Vitória: Qualquer lugar que dê pra ver o rio.

Matheus: As ilhas de Belém.

 

Um Belenense:

Juliana: Pode ser santarense? Se sim, Lúcio Flávio Pinto. É um jornalista que sempre foi a minha referência dentro do estado, com o Jornal Pessoal – um jornal paraense independente. O cara é incrível.

Vitória: Bento Maravilha, radialista comunitário, grava CD’s de merengue, tem um trio elétrico muito famoso e faz projetos sociais com crianças do Jurunas. Uma figura!

Matheus: Minha mãe, Nazaré Botelho, pessoa maravilhosa e ainda é massoterapeuta. Tem mãos de fada e faz precinhos ótimos.

 

A editoria Dedo de Prosa traz histórias brasileiras inspiradoras, destacando as pessoas e seus ofícios.

 

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