Brasis. As traduções da cultura cotidiana do Brasil.

BRASIS. CULTURAS E COTIDIANOS DO BRASIL.

Carolê, a #MeninaRendeira

 

As ferramentas de trabalho de Carolê são os desenhos, cores e texturas de nosso cotidiano. Com a leveza de quem vê o valor de cada objeto dos caminhos por onde passa, ela se destaca na linguagem criativa por buscar brasilidade no processo e não somente no resultado. Conversar com todos pelas ruas, reunir sotaques em uma esquina, brincar com a matéria como quem dança Maracatu: juntar tudo com vontade de beleza. Muito além de trabalhar com moda, essa #MeninaRendeira transmite Brasis em qualquer superfície que toca o seu coração.

 

(#MeninaRendeira é sinônimo de vínculo. Entre as mais diferentes estampas e cores de uma feira livre, entre estados do Sudeste e do Nordeste brasileiro, entre os lugares que habitualmente chamamos de centro e periferia. Ela circula e gira. Entre pessoas e em meio às expressões corporais. E inventa e experimenta. A beleza do que faz e transmite está justamente na sua capacidade de imaginar pontos de conexão entre culturas, lugares e pessoas. Menos preocupada com a perfeição do todo, mais interessada no encantamento que os encontros provocam. Nas rendas e rendeiras brasileiras, ela encontrou um aconchegante lugar para falar desse seu jeito de ser/ver Brasil. Que renda!)

 

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Brasis: Onde você nasceu e o que você leva contigo desse lugar?

 

Carolê: Sou nascida e criada no Rio de Janeiro. Nasci na Glória, mas logo minha família se mudou pra Tijuca, um bairro muito família e bem tradicional. Apesar de ter características bem bairristas, eu sempre gostei de transitar por outros bairros, principalmente pelo Centro do Rio. Desde pequena, aprendi a andar no Centro. Minha mãe me levava para explorar o comércio e eu achava uma diversão! Acho que isso acabou fazendo nascer em mim essa paixão por mercados, camelôs, comerciantes… Enfim, pessoas que estão trabalhando na rua e nesse dia-a-dia agitado, onde circulam tantas referências de Brasil e brasilidade.

 

Além disso, guardo muitas lembranças da casa das minhas avós. Minha infância teve muito a ver com essas duas casas. Minha avó paterna, D. Cidinha, era professora aposentada e passava o dia fazendo crochets. Fazia cortina, lençol, roupa, panos de mesa… tudo! Minha avó materna, D. Alexandrina, era uma artista nata. Cresceu como dona de casa, mas fazia de tudo nas suas horas vagas. Pintava, desenhava, costurava muito bem… Ela inventava moda literalmente! Minhas brincadeiras com ela sempre tinham a ver com esse universo de criação.

 

Brasis: E hoje, por onde você anda?

 

Carolê: Hoje, sou formada em Desenho Industrial (Programação Visual) pela UFRJ e trabalho há seis anos no mercado têxtil. Estou desde 2012 na Farm Rio no setor Estilo Arte, que engloba estamparia, artesanal, bordados, jacquard e qualquer tipo de demanda de arte que o Estilo solicite. Ando por esse Brasil que eu amo, apesar de ter meu porto seguro no Rio de Janeiro. Além da Farm, nasceu esse ano o Menina Rendeira (#MeninaRendeira), que é o início de um trabalho como artista plástica.

 

Brasis: Você costuma dizer que é pernambucana de coração. Como e quando surgiu essa relação com o estado de Pernambuco? Como você quer que essa relação continue?

 

Carolê: Minha paixão por Pernambuco teve início em 2012. Uma amiga estava fazendo projeto final na faculdade e seria uma coleção de estampas com o tema Recife/Olinda. Ela me chamou para acompanhá-la e eu fui. Já tinha ido pra Recife em um evento de estudantes de Design, mas quando eu voltei em 2012 eu consegui entender realmente essas duas cidades. Recife me presenteou com pessoas maravilhosas e muitas referências de arte e música. As pessoas que eu conheci e tenho conhecido por lá parecem sempre estar na iminência de um caos poético e artístico, saão pessoas incríveis, com uma energia criativa que me encantou demais.

 

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Brasis: O que é e como surgiu o #MeninaRendeira?

 

Carolê: O #MeninaRendeira é um projeto pessoal nasceu da minha paixão pelo feito à mão brasileiro e pela minha vontade de pensar laços, nós, tramas e as pessoas de forma poética e artística. Esse projeto começou em junho deste ano, quando eu pintei uma casa no Sertão de Pernambuco e já ganhou algumas proporções e formas variadas: muros, intervenções em eventos, telas e arte de guerrilha.

 

Desenhar rendas é uma verdade na minha vida. Rabiscos de renda ocupam meus cadernos e rascunhos. Essa paixão cresceu mais ainda quando comecei a me aprofundar em pesquisas e viagens pelo Nordeste brasileiro. O Brasil virou meu objeto de estudo e a renda também. Mais do que isso: a rendeira virou minha musa inspiradora. Comecei a querer conhecer, cada vez mais de perto, essas mulheres fascinantes: mulheres que trabalham com uma força e uma garra tão grande e, ao mesmo tempo, chegam no resultado tão delicado que é a renda. É a força e a leveza numa mesma mulher. Além disso, a forma da renda e como ela é feita tem muito a ver com nossas redes e com a forma como nos conectamos com as pessoas. Tudo está ligado, tudo tem seu nó, sua trama e seu enlace.

 

Brasis: Como você decidiu rendar paredes?

 

Carolê: A decisão foi algo mais orgânico do que se imagina. Em junho, fiz mais uma viagem para o Nordeste. O destino foi o Sertão alagoano e pernambucano. Vi renda, vi rendeiras, vi um Sertão de poesia e histórias. Fiquei encantada e cheguei em Itaparica-PE com uma ânsia de extravasar todo esse meu sentimento e quis deixar uma parte de mim por lá. Fui a uma festa de São João na casa de amigos. Vi uma casinha simples com lindas montanhas no horizonte e um chão de barro na frente. Perguntei pro dono da casa: “posso pintar?” Foi assim que nasceu a minha primeira arte com essas dimensões. Nasceu de uma verdade. Eu não tive dúvidas de que eu queria pintar uma renda naquela casa.

 

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Brasis: Qual é a relação de #MeninaRendeira com as ruas?

 

Carolê:  Estar na rua tem me proporcionado muito aprendizado e muitas trocas. É impressionante como intervir em lugares públicos me deixa a todo tipo de situação. As pessoas se aproximam, conversam, dão opinião. É muito enriquecedor. Ir com a #MeninaRendeira pras ruas foi uma decisão natural pra mim. Sou apaixonada por intervenções urbanas e acho a rua um lugar que fala muito desses laços, tramas, nós e enlaces entre as pessoas. Rua é rede e conexão e isso tem tudo a ver com minhas reflexões sobre as rendas. É um lugar de convivência comum onde vidas e pessoas se cruzam.

 

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Brasis: Por onde #MeninaRendeira já passou?

 

Carolê: Vou falar um por um…

 

Itaparica: Essa casinha fica em uma área particular, na verdade. Fica na “roça” do Seu Avião. Um senhor com muitos amigos e um espírito leve de festejo. E foi o cenário perfeito para a primeira intervenção: Sertão, casinha, céu azul…

 

Vila do Largo do Machado: Essa intervenção aconteceu durante um evento nessa vila de ateliês. E foi a primeira vez que eu comecei a pensar a renda como rede: laços, enlaces e conexões. Esse evento juntava muitos trabalhos e pessoas diferentes que, de alguma forma, acabaram se cruzando por ali. Intervi na vitrine de um dos ateliês/lojinhas.

 

Paraty: Fui para lá durante o Festival MIMO para testar uma outra possibilidade de intervenção: a guerrilha. A arte de guerrilha tem uma pegada diferente, tem que ser rápida e focar numa mensagem. Foi uma dinâmica nova para mim. O trocadilho “[que] renda” me trouxe reflexões e desejos para as pessoas que passam por aquelas ruas.

 

Bistrô dos Artistas (Aracaju): Esse dia foi a celebração de um grande encontro entre Aracaju e eu. A cidade me recebeu de portas abertas e colocou o Victor Fernandes no meu caminho, um poeta querido que me articulou com os lugares e os artistas de lá. Pintar o palco do bistrô durante um evento de música e poesia foi uma idéia conjunta. O Victor teve uma avó rendeira e me disponibilizou alguns poemas sobre rendas para usar. Nesse dia, ele fez o “Oh, destino rendeiro/ Rendi-me por inteiro/ Às tramas do acaso”, justamente para ilustrar nosso encontro e o início de uma parceria em trabalhos e amizade. Fiz o palco com uma base de cor areia e a renda em branco junto com o poema dele.

 

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Alternas: Intervir no Bar Alternas foi uma sugestão do Victor, respeitando essa minha vontade de ocupação em lugares que inspirassem convivência, troca e boas risadas. Foram duas intervenções diferentes nessa noite, com formas diferentes mas com a mesma essência: celebração de encontros.

 

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Evento “Agora é a Vera” (evento de ocupação de grafite, em Aracaju): Foi a primeira vez que eu fiz uma parceria com outro artista. O Yuri (Cirulo) foi uma das pessoas que cruzaram meu caminho por lá e estava com um trabalho de desenhar sereias, com essa linguagem do xilografite. Começamos a confabular uma sereia do Sertão, que nadasse no Velho Chico e encantasse os pescadores. Daí surgiu a idéia de rendar a cauda da sereia. Amei o resultado e aprendi muito com ele. Fiz em pincel a minha arte, mas me abri para aprender um pouquinho de spray. Achei interessante, mas ainda prefiro o pincel… O pincel me exige paciência e resistência. Dessa forma, o trabalho com pincel em superfícies maiores me aproxima do trabalho de uma rendeira… um trabalho de força e muita paciência.

 

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Brasis: Conte um pouco sobre a parede em São Paulo.

 

Carolê: A vontade de ir pra São Paulo surgiu do desejo de entender como minha arte funcionaria em um lugar com tantas expressões urbanas. A primeira pessoa com quem eu dividi esse sonho foi a Mayra e ela sonhou tudo junto comigo. Eu trouxe a ideia de juntar os meus lambes da arte de guerrilha com a performance de pintura que eu faço quando pinto em áreas maiores, senti que o lambe ia me trazer essa estética urbana que eu precisava para dialogar com a paisagem de São Paulo. Além disso, quis juntar na arte uma pitada do #osBrasis, esse projeto lindo da Mayra. Ela então desenvolveu várias frases e versos que falavam sobre o trabalho das rendeiras, para incluirmos nos lambes. Foi quando surgiu o “Cada mulher que chega, costura uma cidade”. Essa frase me tocou bem fundo no coração e resumiu muito tudo o que eu queria passar nessa intervenção de São Paulo.

 

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Brasis: O que você acha que nós não sabemos e deveríamos saber sobre as rendas e rendeiras brasileiras?

 

Carolê: Essa personagem da rendeira me vem com muita carga de feminino. Ela é uma figura que trabalha com a força e a resistência de um trabalho braçal. Mas, ao mesmo tempo, ela tem que gerar um resultado leve que é a renda. Ela é uma mulher de força e delicadeza. Acredito que todas temos rendeiras dentro de nós.

 

Brasis: O que você acha que nós não sabemos e deveríamos saber sobre o Brasil?

 

Carolê: Devemos ouvir mais os brasileiros, entender suas histórias e compartilhar dos seus olhares. O Brasil precisa se escutar.

 

Brasis pergunta, Carolê responde:

 

Uma palavra brasileira:

Xote, maracatu, baião.

Um lugar no Brasil:

Olinda.

Uma rendeira brasileira:

Dona Cidinha, minha avó.

Uma parede brasileira:

As fachadas coloridas de Piranhas – AL.

Uma renda brasileira:

Renascença.

 

(Fotos por Suann Medeiros e Felipe Goettennauer.)

 

Comentários

  1. Júlia disse:

    Que entrevista e iniciativa lindas ♡
    Mas fiquei na dúvida… o que é “arte de guerrilha”?

    1. Mayra Fonseca disse:

      Olá, Júlia.
      Legal que você gostou! :)
      Arte de guerrilha é o nome dado a uma atuação/linguagem artística. Nesse caso, Carolê falava sobre quando faz intervenções rápidas e pontuais em uma superfície, sem contato prévio com os responsáveis pelo espaço.
      Um abraço do Brasis.

  2. Elisângela Valadão Campos disse:

    Conheci o trabalho da Carolê ontem no decora, e fiquei fascinada com sua renda… Lindíssima… Sou designer de interiores e gostaria de saber mais sobre o trabalho dela. Como faço?

    1. Mayra Fonseca disse:

      Oi, Elisângela.

      Você pode entrar em contato com ela no https://www.facebook.com/carole.m.andrade?fref=ts

      Um chêro nosso.

  3. Marcus disse:

    Muito show! Teriam o contato da Carole??

    1. Mayra Fonseca disse:

      O contato está na matéria.

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