Brasis. As traduções da cultura cotidiana do Brasil.

BRASIS. CULTURAS E COTIDIANOS DO BRASIL.

Anderson Coelho no tempo de Afuá

 

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(Anderson Coelho em São Caetano de Odivelas – PA.)

 

Ele nasceu no Norte, mas sua trajetória como fotojornalista foi levando esse brasileiro pela mão, até que ele chegou no Sul. Foi assim que Anderson Coelho saiu de Belém do Pará para Londrina, no estado do Paraná: para participar de uma das principais formações em fotografia do país. Um pouco indígena, um pouco citadino, seu endereço paraense era o município de Ananindeua, mas em seus sonhos estava um outro lugar com história e nome fabulosos: a Afuá de passarelas de madeira onde marajoaras fazem os caminhos da vida com bicicletas construídas por eles, tudo isso com a luz do fim do dia dos rios da Amazônia.

 

Com um balaio de saudades, do Pará, na alma, ele decidiu viver suas férias nesse lugar mágico que imaginava em sua infância: um avião de volta ao seu Norte, alguns barcos até esse pedaço da Ilha do Marajó e depois, claro, muitas voltas de bicicletas em Afuá. Tudo registrado: em foto, texto, aprendizados e sentimentos; que é pra contar que tanta magia não só existe como está num pontinho de Brasil; que é pra lembrar que cuidar dos sonhos possíveis também é responsabilidade nossa.

 

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(A caminho de Afuá – PA.)

 

(Pesquisando o que não conheço sobre o Brasil, vou descobrindo e catalogando palavras que acabam se transformando em convites para conversas ou mesmo sinais de reconhecimento entre pesquisadores: Sabe Afuá? Não me lembro qual foi a primeira vez que escutei sobre a Veneza Marajoara, mas quase emendei uma viagem para pegar um barco – viagem de muitas horas – de Santarém até lá. E desde então penso nessa imersão, que adoraria que fosse uma vivência de alguns meses com inserção em atividades de impacto local, a Afuá. “Sei”_ respondi há algumas semanas quando terminava uma reunião no Papo de Homem e foi nesse momento que soube que o Anderson estava por lá fazendo um ensaio fotográfico que eu adoraria ver. Como no meu dicionário Afuá é sinônimo de “da maior importância”, logo escrevi pro fotojornalista. Dias depois falávamos sobre esse tempo de Afuá: tempo da natureza, que também está presente em todo assunto sobre artesanato, sustentabilidade e valorização cultural. Dias depois, o encontrei em uma cozinha em Maringá, ali no Paraná, onde um grupo de amigos fazia tapioca e conversava sobre registro cultural no Brasil.)

 

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Brasis: O que você leva do lugar onde nasceu e passou sua infância?

 

Anderson Coelho: Minha infância… lembro bem que quando estávamos doentes além dos remédios de receita, tínhamos as famosas “garrafadas” de ervas, que nos ajudam a curar nossa moléstias. Até hoje uso um pouco de óleo de pequiá quando tenho algum inchaço por contusão: é um fruto de árvore muito comum em leitos de rios, sua semente pode ser comestível ou usada em medicina.

 

Não sabia o quanto carregava de minha cultura até sair da terra natal: além do sotaque, trago comigo sons, hábitos alimentares (sim, gosto de comida colorida, temperada e apimentada!) e o modo de como me relaciono com as pessoas. Enfim, vim para o Paraná com um balaio de Pará nas costas!

 

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Brasis: Você é um fotojornalista do Pará que mora no Paraná. O que você aprende olhando para as culturas e cotidianos desse estado onde hoje você habita?

 

Anderson Coelho: Em um primeiro momento tive estranhamento, o Paraná é uma cultura completamente diferente, desde a alimentação até o contato social, posso dizer que me acostumei e consigo compreender as pessoas. Mas saber olhar o outro e entender sua cultura, é um exercício constante, ainda não absorvi inteiramente o Sul. Amigos daqui quando vão conhecer a região Norte, sentem um estranhamento tão grande quanto.

 

Alteridade, colocar-se no lugar do outro, talvez seja atualmente a atividade mas urgente de se exercer, e a que menos fazemos, nesses tempos que estão tão voltados para o “eu, minha casa, minha cultura, minha vida”. Na atuação do fotojornalismo é intrinsecamente necessário saber sentir o outro. Isso me ajudou muito a entender o Sul e sua cultura.

 

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Brasis: Qual é a primeira lembrança que você tem sobre Afuá?

 

Anderson Coelho: Foi um lugar que sempre imaginei, desde criança. O estado do Pará tem grandes distâncias na sua extensão, então é muito comum encontrar pessoas de Belém que não tenham conhecido os rincões do estado, e Afuá sempre ficou no meu imaginário como a cidade que foi erguida por cima de pontes e palafitas, no meio do rio. Para uma criança é quase que mítico ver uma cidade assim por cima das águas. Afuá fica no arquipélago de Ilhas do Marajó, é um mundo à parte, a maioria dos meus conhecidos iam somente até Salvaterra ou Soure, as cidades mais próximas de Belém. Mas quando criança sabia que existiam cidades mais além.

 

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Brasis: E agora, depois de ter viajado pra lá, que lugar é Afuá?

 

Anderson Coelho: Ainda tem uma aura, é incrível como que onze mil almas conseguem viver com harmonia sobre essas bicicletas naquela mítica cidade. As cidades do arquipélago marajoara me lembram muito as cidades descritas por Ítalo Calvino em Cidades Invisíveis, cada uma delas com uma característica muito forte: Afuá com suas ruas de madeira e bicicletas, Melgaço com seus eternos açaizeiros. Breves, com seu estreito, e as pessoas que passam e lançam oferendas, uma tradição para ter uma viagem segura. Portel com sua extensa praia para rio. Essas cidades e todas mais que compõe o Marajó, além de sua carga poética, infelizmente sofrem com várias mazelas sociais.

 

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Brasis: O que você aprendeu nesses dias em Afuá?

 

Anderson Coelho: A principal lição: a felicidade está mesmo nas coisas mais simples. Foi em Afuá que encontrei e senti esse sentimento de encantamento absoluto, foram dias leves, pessoas ricas com quem aprendi muito sobre meu próprio estado e minha condição de amazônida.

 

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Brasis: Qual é o som de um lugar que não tem buzina?

 

Anderson Coelho: Música, conversa, o rio, o tempo. Durante o dia, pessoas transitando, chegando a ter pequenos congestionamentos. Durante a noite, na orla tu podes escutar do som das águas do Rio Afuá. Incrível um lugar onde todos andam de bicicleta e há respeito: quando um está passando o outro aguarda e somente depois segue seu caminho, uma lição para as cidades maiores.

 

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Brasis: Descreva o tempo do rio em Afuá.

 

Anderson Coelho: É o tempo do rio, por mais que seja uma cidade, as pessoas vivem esse tempo, não há a pressa que nos é tão característica. Tudo tem seus tempos, o fervo do porto ao nascer do dia, movimentação até o meio-dia, a modorra das tardes, pôr do sol na orla, e durante a noite todos vão para as praças, orlas e barracas de alguma comida tipica. Em nenhum momento me senti acelerado em Afuá, foi tranquilo e leve, como o tempo do rio.

 

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Brasis: O que o Brasil tem para aprender sobre mobilidade em Afuá?

 

Anderson Coelho: Ah, estamos em um momento que as grandes cidades do país estão se questionando se o modelo urbano e viário atual é suportável. Vemos a cada dia as metrópoles e cidades menores, se tornando um anti-lugar, morada insalubre para os urbanos, em momentos extremos buscamos o questionamento: Rio de Janeiro com seu transporte público, Curitiba com o inchaço populacional e São Paulo com as ciclovias.

 

Afuá com suas vias de madeira e sua bicicletas nos mostra que é possível sim, temos outras alternativas mais saudáveis de transporte: a bicicleta parece ser a melhor resposta. Temos uma cidade que consegue ter sua organicidade espacial e urbana, tendo como principal transporte a magrela e suas variantes, isso é lindo! Afuá dá uma lição de mobilidade ao Brasil, e o que tentei mostrar nas minhas fotografias é que, sim, temos uma alternativa para o transporte nas cidades.

 

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Brasis: Como você se sentiu em Afuá?

 

Anderson Coelho: O sentimento que mais ilustra isso tudo é leveza. A leveza do ser, de estar no tempo do rio, de conhecer as pessoas, de fotografar. Sinto uma revolta alegria tranquila quando me recordo de Afuá, não é à toa que essa cidade é a mais atípica que conheci em toda minha vida. É um sentimento único ver e sentir tudo isso. Apenas tenho uma certeza: voltarei lá.

 

Brasis: O que você acha que não sabemos e deveríamos saber sobre Afuá? E sobre o Brasil?

 

Anderson Coelho: Tu achas que conhecemos o Brasil? Eu acredito que não, essa terra é um extenso território, não somente físico, mas também, cultural, culinário e emotivo. Às vezes vejo que somente o português da norma culta e a constituição que nos unem, pois somos díspares. Tu és sertaneja entre Minas e Bahia, eu sou um amazônida urbanoíde, que agora estou conhecendo meu próprio estado, possivelmente nosso leitor seja dos Pampas, ou Nordeste.

 

Somos de culturas diferentes, não há como negarmos nossas raízes, somos “o entre lugar do discurso latino-americano” como diria Silviano Santiago, somos um discurso ainda sendo escrito, não nos damos conta de quanto somos novos e diferentes. É tão gritante essa condição que até nossos “hermanos” da América hispânica nos estranham e nós os vemos com primos distantes que chegam uma vez ao ano passar o Círio e que depois vão embora.

 

Afuá, além de mostrar que podemos repensar a mobilidade urbana brasileira atual, é uma aula de cultura, de um povo ribeirinho que conseguiu viver em sincronia com a natureza por muito tempo. Mas até isso está em questão no momento, a cidade está passando por um inchaço populacional, ribeirinhos com dificuldades estão saindo de suas vilas e comunidade nos rios e buscando oportunidades na cidade de Afuá, e ela está crescendo desordenadamente, terá problemas no futuro.

 

Isso é natural? Creio que não, se o ribeirinho está também saindo do seu habitat natural é porque tem algo de errado, e é com a Amazônia: os recursos estão acabando, não temos mais a abundância de antes. Mas mesmo assim Afuá se mostra uma cidade única, que vale a pena conhecer.

 

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Brasis pergunta, Anderson Coelho responde:

 

Uma palavra brasileira:
Taperebá.
Um lugar no Brasil:
Ponta do Cururu, Santarém – PA.
Um lugar em Afuá:
Bairro Capim Marinho, no fim de tarde.
Um afuaense:
Pedro Ferreira dos Reis, inventor de modelos de bicicletas: desde de um modelo de madeira com traços tribais a bicicletas motorizadas e customizadas.

 

(Fotos por Anderson Coelho em Afuá, Ilha do Marajó – PA. 2015.)

 

Comentários

  1. Katia disse:

    Recordar o marajo e realmente maravilhoso,me criei nesse lugar,um tempo que não volta,quando você fala de leveza eu compreendo e concordo com um tempo que parece ir lentamente da vontade de ficar para sempre.Fico triste ao perceber que um dia esse paraíso pode acabar,o que fazer para manter um paraíso como tantos outros?

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