Brasis. As traduções da cultura cotidiana do Brasil.

BRASIS. CULTURAS E COTIDIANOS DO BRASIL.

Ambrosio e seus artefatos culturais

 

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(Rodrigo Ambrosio durante a produção da cadeira Engenho.)

 

Arataca, Feira, Gonzaga, Fulô, Mamulengo: esses são alguns dos nomes que ele escolheu pra batizar os artefatos que cria. É que Rodrigo Ambrosio tem a interessância de usar palavras em português, e com bom sotaque alagoano, para descrever um ofício que costuma ser apresentado somente em outros idiomas. Ele fala de música e filosofia e ferramenta de trabalho com a mesma luz nos olhos e talvez por isso receba em troca olhares de incentivo… Foi assim quando ele preparava a sua cadeira Engenho em uma exposição: os montadores, boa parte nordestinos, ficaram encantados ao ver um móvel todinho feito de rapadura, essa matéria tão, literalmente, familiar! Artista ou designer, mais vale dizer que Ambrosio cria poesia armorial, mais importa destacar que ele faz nos reconhecermos nordestinos – e brasileiros – ao nos relembrar de quais texturas e tramas é feita a nossa história.

 

(Há cerca de um ano atrás, quando nos conhecemos rapidamente, Ambrosio foi a primeira pessoa a me contar sobre a Feira de Passarinhos em sua Alagoas. Eu, que não entendo mesmo nada sobre design, conheci as suas peças com o encantamento de alguém que, finalmente, via algo que verdadeiramente era harmônico com as nossas estradas. Aprendi a acompanhar seus passos e tentar adivinhar seus próximos projetos à distância, sempre torcendo para que ele recuperasse das ruas uma dessas palavras que merece ser cristalizada e repetida e celebrada pela arte. Quando li Engenho e vi rapadura entre seus trabalhos, o Sertão que nunca sai de mim – que bom! – nos convidou para uma de tantas outras conversas que surgiram sobre a cultura da cachaça, sobre as nossas culturas.)

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(Banco Gonzaga.)

 

Brasis: Onde você nasceu e o que você leva desse lugar? Como esse local inspira e ensina você?

 

Rodrigo Ambrosio: Nasci em Maceió, Paraíso das Águas que encanta e me inspira. Aprendo com os mestres daqui e com a energia deste lugar. Fico com um trecho do livro “Confissões de um Poeta”, do escritor alagoano Lêdo Ivo; — Quem nasce aqui, e respira desde a infância um aroma de açúcar, vento, peixe e maresia, sente que o oceano próximo cola em todas as coisas e seres um transparente selo azul.

 

Brasis: Onde você procura inspiração para seu trabalho e produções?

 

Rodrigo Ambrosio: Em tudo! Sou fascinado pelo tempo e suas relações com os seres e o espaço. Não acredito na atemporalidade, então, procuro entender as minhas raízes próximas e longínquas para desenvolver novos caminhos.

 

Brasis: Quais são os principais desafios que você encontra na concepção e execução de um projeto?

 

Rodrigo Ambrosio: Tento ser como a água e me adaptar às mais variadas situações, porém, há sempre desafios que exigem paciência, equilíbrio e persistência, e que, geralmente, envolvem materiais e processos produtivos.

 

Brasis: Como e por que você faz design?

 

Rodrigo Ambrosio: Costumo dizer que tenho uma escala criativa variável para minhas criações. Somos corpo e mente, matéria e imatéria, por isso penso na função física e psicológica dos símbolos e artefatos que crio. Para simplificar a explicação, a função física estaria mais próxima do design e a psicológica mais próxima da arte, e dentro desta escala eu posso criar o que quiser, de forma comissionada ou autoral, assim me realizo.

 

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(Feitura da peça Kururu junto com comunidade local no Nordeste.)

 

Brasis:  Qual é a sua relação com artesãos e comunidades locais em seus projetos?

 

Rodrigo Ambrosio: Na maioria das vezes de amizade, mas com relações comerciais justas e bem claras. Muitas das raízes artesanais se mantiveram aqui no Nordeste, penso que cumpro uma função vital quando estou em contato e reverberando todos esses saberes.

 

Brasis:  Qual é a reação que os seus projetos causa nas pessoas?

 

Rodrigo Ambrosio: As reações físicas são mais óbvias, apesar de nem sempre o conforto ou o desconforto serem ditos, o comercial pode dá alguma direção. Já as reações psicológicas rendem boas conversas, avaliações e inquietações. O feito à mão costuma surpreender, e aliado ao artesanal, trazem memórias afetivas interessantes. Dos projetos mais recentes, imagino que os que desenvolvi para o grupo Design Armorial e a cadeira Engenho, feita de rapadura, foram os que mais chamaram a atenção das pessoas.

 

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(Cadeira Engenho.)

 

Brasis:  Como surgiu a ideia de fazer a cadeira Engenho?

 

Rodrigo Ambrosio: Há uns três anos atrás eu comecei a pensar na possibilidade de criar artefatos efêmeros, feitos para comer, e a rapadura era o primeiro material que vinha à mente, dada a sua consistência e força conceitual.

 

A ideia da cadeira é resgatar a história dos engenhos que remonta à própria história de formação do Brasil. Muitos dos primeiros artefatos criados em território brasileiro surgiram por lá, assim como inúmeras interações de sabores que nos alimentam até hoje. É nesse ambiente rico em saberes que proponho a conexão do artefato com o alimento. Do símbolo máximo do design de mobiliário, a cadeira, com o símbolo máximo da energia gastronômica, o açúcar. Questionamentos sobre a pureza, a forma e o valor que desprendemos aos nossos alimentos, e quão efêmeros ou necessários são os nossos artefatos entram na “moenda”. É ano de EXPO mundial em Milão, capital do design, e o tema “Nutrir o Planeta, Energia para Vida” nos conecta a um novo tempo. Afinal, o que nos alimenta?

 

(Processo de produção da cadeira Engenho.)

 

Brasis:  Como foi o processo de criação e execução da Engenho?

 

Rodrigo Ambrosio: Além do material inusitado e tipicamente nordestino, impregnei ao desenho da cadeira elementos do brasileiríssimo tamborete em forma de bandeirinha de São João e inclinações que remetem ao lingote das barras ou tijolos de rapadura. Para executar o projeto foi criado um molde em compensado naval desmontável, já que neste caso o molde que saiu do doce de 50 kg e não o contrário, como normalmente acontece.

 

Brasis:  Quais foram as dificuldades encontradas no processo?

 

Rodrigo Ambrosio: Incontáveis, este foi o projeto mais complexo que já fiz! Contei com o apoio do Engenho São Lourenço, em Água Branca, Sertão de Alagoas, para realizar este feito. Foram muitas pessoas envolvidas, tenho um carinho especial por todas.

 

Brasis: O que você aprendeu, no processo de trabalho, sobre cultura brasileira e cultura da cachaça?

 

Rodrigo Ambrosio: Por muito tempo esta cultura foi a base da nossa economia. O processo para produzir a cadeira aconteceu em um engenho que mantém as características orgânicas e artesanais da época, poder vivenciar isso me fez voltar no tempo e entender um pouco dos valores ali enraizados. Na era da informação, precisamos questionar nossos valores culturais, materiais e buscar a fundo o que realmente nos alimenta.

 

A cadeira Engenho tinha um ciclo de vida determinado. Foi apresentada na exposição “Arte das Alagoas” ao lado de grandes mestres alagoanos, com curadoria de Pedro Ariel Santana. O artefato cumpriu a sua função física como cadeira e como alimento. Cumpriu também a sua função psicológica de manter viva nossa cultura ancestral e questionou os valores materiais da sociedade contemporânea.

 

Brasis: Você gosta de rapadura?

 

Rodrigo Ambrosio: Gosto da rapadura in natura feita com açúcar mascavo orgânico, a usada na cadeira, mas minha mãe consome mais.

 

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(Banco-gaveta Fulô.)

 

Brasis: O que você acha que nós não sabemos e deveríamos saber sobre Alagoas?

 

Rodrigo Ambrosio: Que Dom Pero Fernandes Sardinha, o primeiro bispo do Brasil, foi degustado no litoral sul alagoano pelos índios da época. Kaeté como tainha, Kaeté como sardinha! Mas isso já faz muito tempo, vocês deveriam saber que alagoas concentra o maior número de mestres artesãos do Brasil…

 

Brasis: O que você acha que nós não sabemos e deveríamos saber sobre o Brasil?

 

Rodrigo Ambrosio: Que nossa miscigenação fez surgir uma nova cultura onde o mais importante está em sua força criativa e não na separação das nuances raciais.

 

Brasis pergunta, Ambrosio responde:

 

Uma palavra brasileira:

Caramuru.

Um lugar no Brasil:

Nordeste.

Uma palavra alagoana:

Kaeté.

Um lugar em Alagoas:

Ilha de Santa Rita.

Um alagoano:

Nelson da Rabeca.

Um objeto alagoano:

Bancos de Raízes da Ilha do Ferro.

 

(Fotos por Felipe Brasil e Rodrigo Ambrosio.)

 

Comentários

  1. Vivaldo S. Bittencourt disse:

    Fantástico o trabalho deste artista, designer, pensador…

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