Brasis. As traduções da cultura cotidiana do Brasil.

BRASIS. CULTURAS E COTIDIANOS DO BRASIL.

A Sirene

 

Dia 05 de novembro de 2015, em Mariana, Minas Gerais, 16:00 horas: você se lembra? A cada quinto dia de mês, desde então, o coletivo #UmMinutoDeSirene toca a sirene, e faz ações públicas, exatamente para que a gente não se esqueça. Afinal, se o crime ambiental que marcou de lama os bens materiais de toda a região for esquecido, como os moradores e a população local poderão restaurar a sua estima e salvaguardar a sua história? Um grupo formado por gente de lá, amigos, profissionais de comunicação e criativos ensina que resistência – assim como tradição – é mesmo algo do contemporâneo. E mostram, em exercício prático de colaboração, como a memória deve ser resgatada, de forma propositiva e inspiradora, em prol de uma história de futuro que pode ser escrita a várias mãos.

 

(Eu me lembro. Eu estava no Cariri do Ceará, em meio a um evento de aproximação entre mestres e estudantes, com uma grande amiga, com as saudades que sempre me acompanham Brasil Adentro. Norte-mineira, escutei também os contos e cantos das cidades históricas, frequentei o Rio Doce beirando a casa de um primo de minha mãe, aprendi que água é algo que pede respeito e cuidado. Eu me lembro que fiquei calada por horas, que andei sozinha pelo Cariri a chorar escondido. Como sempre acontece quando algo me toca, liguei para meus pais. E comecei a pensar nos amigos: Tio Eliseo, Fábio, Gustavo… como estariam e o que iriam fazer a partir daquela lama toda?).

 

DedodeProsa_ASirene_01

 

Brasis: Como surgiu o Coletivo #UmMinutoDeSirene?

 

Gustavo Nolasco, Coletivo #UmMinutoDeSirene: A notícia do rompimento da barragem causou uma espécie de catarse em quem é de Mariana. Estando lá ou não no momento do rompimento da barragem. Ninguém podia acreditar que aquilo estava acontecendo. Os relatos vão de desespero até a estado de choque.

 

Foi exatamente aí que, involuntariamente, foi surgindo o #UmMinuto. Uma espécie de divã. Um ligando para o outro para tentar dividir a angústia. Todos se unindo para tentar ajudar de alguma forma. Muitos do grupo passaram dias dentro do centro de recebimento de doações. Outros passaram dias chorando.

 

Até que, num desses dias, resolvemos nos reunir para falar. Foi uma terapia coletiva. Um ajudando o outro a voltar à razão. Quando passamos a entender que a luta estava só começando, resolvemos criar o coletivo que primeiro se chamou #BentoFala.

 

Ficamos quase dois meses sem nenhum atingido se interessar por nossa ajuda. Mas nos entendemos e respeitamos o tempo de todos. Hoje, quase cinco meses depois daqueles 05 de novembro de 2015, o #UmMinutoDeSirene se tornou uma grande rede, com quase 2.000 seguidores em todo o país. Continuamos independentes, em trabaho voluntário e tendo como missão a luta pela comunicação dos atingidos e pela memória das comunidades.

 

Conseguimos consolidar diversas ações. Somos referência para parte dos atingidos e conseguimos criar um jornal (A Sirene) para ser um canal de comunicação deles próprios. Hoje não é só a empresa e o poder público que possuem voz oficial. O revolucionário disso tudo é o fato de darmos voz independente aos atingidos.

 

DedodeProsa_ASirene_02

 

Brasis: Quem são as pessoas que fazem A Sirene?

 

Gustavo Nolasco, Coletivo #UmMinutoDeSirene: Em primeiro lugar, os próprios atingidos. São eles que definem o que querem que saia no jornal e como deve sair. Claro que eles não se transformam em jornalistas e fotógrafos da noite para o dia. O trabalho é lento e vai se consolidando a partir do momento em que eles são reconhecidos pelo trabalho do jornal. Para apoiá-los, temos jornalistas, fotógrafos, historiadores e professores no grupo do #UmMinutoDeSirene.

 

DedodeProsa_ASirene_04

 

Brasis: Como surgem as pautas de A Sirene?

 

Gustavo Nolasco, Coletivo #UmMinutoDeSirene: Tudo começa como numa grande reunião de pauta. Daquelas tradicionais das redações dos jornais mesmo. Sentam os atingidos e nós, os apoiadores. Cada um dos atingidos tem a palavra e sugere uma ou mais pautas. São eles que dão o tom para o que cada edição trará. Depois de todos eles opinarem e sugerirem suas pautas, os apoiadores também recebem a palavra e podem sugerir pautas, que só irão ser apuradas e transformadas em matérias se os atingidos concordarem. Num segundo momento, o editor começa a dar uma linha para cada pauta e os atingidos vão escolhendo quais delas que fazer. O time de cada pauta é complementado com alguns apoiadores. Nenhuma pauta é apurada, redigia e fotografada sem que um atingido esteja envolvido.

 

E A Sirene traz um grande diferencial. As matérias são escritas em primeira pessoa. Mesmo porque o jornal é feito pelos atingidos para os outros atingidos. É como se repetíssemos a lógica de uma conversa no bar da Sandra ou na praça do antigo Bento; na igreja ou nos bares de Paracatu. Alguém trazia a notícia e os outros comentavam.

 

A Sirene no fundo nasceu com a pretensão de ocupar simbolicamente o lugar que era das praças das comunidades antes da devastação.

 

DedodeProsa_ASirene_04

 

Brasis: Por que contar essas histórias após o crime ambiental?

 

Gustavo Nolasco, Coletivo #UmMinutoDeSirene: O motivo é exatamente o lema de “A Sirene”: para não esquecer! Jamais podemos esquecer o que aconteceu.

 

DedodeProsa_ASirene_05

 

Brasis: O que não sabemos e deveríamos saber sobre Bento e Mariana?

 

Gustavo Nolasco, Coletivo #UmMinutoDeSirene: Sobre Mariana, que seu futuro sem a dependência secular da mineração não acontecerá se não houver uma ruptura traumática neste momento. Já em relação ao Bento, fica a mensagem: se não pisou na lama, não venha decidir por eles.

 

Brasis: Quais são os incentivos que A Sirene precisa para seguir com o projeto?

 

Gustavo Nolasco, Coletivo #UmMinutoDeSirene: Hoje, A Sirene tem o seu custo de impressão custeado pela Arquidiocese de Mariana (mas não temos a certeza desta continuidade), que sempre se colocou como parceira de primeira ordem do #UmMinutoDeSirene e também dos próprios atingidos.

 

O restante do trabalho, desde os custos de produção das pautas, projeto gráfico, diagramação e principalmente distribuição vem sendo feito de forma voluntária, mas vamos precisar de recursos para a distribuição. Precisamos fazer o jornal chegar a todas as cerca de 300 famílias atingidas e que estão espalhadas por diversos bairros de Mariana. Também precisamos levar os jornais às pessoas que insistiram em ficar nas comunidades rurais atingidas, isso tem sido bem complicado de se fazer.

 

Mas o fundamental não é nem a questão financeira: o que realmente precisamos é aumentar a rede em torno de A Sirene. É preciso que mais e mais pessoas compartilhem, falem, escrevam e comentem sobre o jornal. É preciso que a forma revolucionária de se fazer jornalismo que inauguramos seja replicado para outras comunidades.

 

Isso por dois motivos: o primeiro, é que quanto mais gente falar do trabalho dos atingidos, mais orgulhosos eles ficarão e mais vão se empoderar do veículo como canal de comunicação entre eles e deles para o mundo. O segundo é que sabemos a força econômica e política de alguns atores. E eles só vão passar a respeitar a voz dos atingidos quando perceberem que não podem mais calá-la.

 

Então, para ajudar a gente pra caramba, pedimos principalmente:

– Convide a gente para falarmos sobre A Sirene ou #UmMinutoDeSirene em qualquer canto desses Brasis, seja em palestras, festivais, roda de conversa.

– Curtam, peçam para os amigos para curtirem e participem do grupo.

– Compartilhem, enviem para formadores de opinião e distribuam as versões digitais do jornal: Edição um ( https://issuu.com/umminutodesirene/docs/asireneed1final/1 ) e Edição zero ( https://issuu.com/umminutodesirene/docs/asirene ).

 

(Foto Lucas de Godoy.)

(Foto Lucas de Godoy.)

 

Brasis pergunta, Gustavo Nolasco responde:

Uma palavra brasileira:

Lobrobo. Aposto que você já comeu e nem imagina o que seja: é o nome que se dá em Mariana, no Bento, em Paracatu e outros distritos a uma planta comestível muito apreciada na alta gastronomia brasileira sob outro nome: ora pro nobis.

Um ribeirinho:

Mônica, moradora do Bento e uma super ativista.

Um morador:

Seu Filomeno, um dos mais antigos moradores do Bento, guardião da igreja secular que foi devastada e que, depois do ocorrido, já teve vários ataques do coração de tanta tristeza.

Um objeto:

A bandeira do Congado de Paracatu que ainda está lá repousando na lama que cobriu a casa de Seu Zezinho, líder dos congadeiros.

Uma emoção:

Pensar que quando eu estava prestes a desistir da minha terra, veio uma tragédia para me mostrar que nenhum desgosto pode me roubar a paixão por ouvir, contar e cuidar da minha história.

 

(Fotos A Sirene.)

 

A editoria Dedo de Prosa traz histórias brasileiras inspiradoras, destacando as pessoas e seus ofícios.

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado Campos obrigatórios são marcados *

Você pode usar estas tags e atributos de HTML: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>